sexta-feira, agosto 19, 2005

Ao Teu Lado

Quero ser o teu poeta,
Quero exortar o mundo, quero ouvir a tua voz no canto dos pássaros
Quero acreditar em musas, em sereias que emergem dos mares
Enquanto me soergo do leito e te contemplo,
Num assombro luminoso que me desconcerta
Que te alumia em mim, e acorda do sonho
Emanando um aroma que me inebria num pulsar descontrolado
Velado pela macieza das tuas mãos no meu peito.

Quero exorcizar medos,
Reencontrar lugarejos que nos acolheram, sozinhos,
Perdidos na imensidão da ausência,
Enquanto exalava a fragrância de jasmim
Protagonista de reminiscências de ti, distante, só.
Foste heroína dos meus sonhos,
Na alvorada, desesperei sofregamente por rever o teu rosto.
Do sonho apagado.

Na aurora da vida, encontrei-te em gestos raros,
Foste o remanso da minha alvorada.
Vi-te desenhada no horizonte
Em nuvens de definido recorte,
Imaginei tsunamis que delas irrompiam,
E me refrescavam da tua essência
Num colapso de medo e saudade
Que depurava o meu pensamento
E toldava a paisagem de azul.

Em contos de embalar adormecia
E sem saber, eras protagonista no palco,
Desses contos que me enlevaram no escuro
No regaço dos lençóis que sobejavam de calor
Enquanto a voz materna me aquecia,
Adocicava a minha alma, e pelos portões dos sonhos
Me esperavas ali pertinho,
Com um sorriso cândido e doce,
Tão perto e tão distante,
Escondida, ausente além deste mar.

Passaram muitos anos,
Vivemos nas ondas do mundo,
Nas vicissitudes que a vida deixou
Voando sobre as planícies do amor,
Nas agruras das tempestades da vida
E de mansinho, nossos âmagos reencontram-se
E de quadrantes incertos
Emerge a esperança de um abraço
Num reencontro de magia,
Que a lonjura capitula em afastar,
Cingindo-nos ao vento que sopra da eternidade
E nos envolve para amar.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Crepúsculo Com Lágrimas

A lua iluminava o êxodo crepuscular dos campos, e por esses poios ermos e sibilinos, sussurrava um silvo de paz, entrecortado com bulício pelo canto dos grilos, de fervilhante melodia campestre. A noite afagava os corpos derreados, e as crianças em repouso no quarto, olhavam os raros brinquedos com dó. A candura destes objectos, artesanalmente construídos, contrastava com a crispação das suas mãos visivelmente ásperas e adultas. Os músculos condoídos ainda latejavam de cansaço.
As trevas eram mitigadas pela luz fosca do candeeiro de cabeceira, e o olhar pensativo do miúdo repousava no tecto indigente do quarto. Os seus sonhos pueris eram exorcizados por fantasmas rurais. Focalizava o olhar na ausência do dia severo perecido. Aquele tecto escuro adocicava aqueles olhos cândidos e lassos, enquanto o cheiro fétido que o campo agreste havia incrustado na pele húmida do suor, exalava um odor característico que, pela convivência, se tinha tornado usual.
Ciciou com o irmão, enquanto intercaladamente, se ouvia uma voz agressiva de alguém distante, impondo, exigindo, vociferando. Ordenava marcialmente. Pressentiu-se uma presença feminina. Uma voz silenciada sentia e acatava a tirania do trabalho, personificada naquela voz gutural, lancinante de boçalidade. O ribombar de uma porta batendo, troou até provocar arrepios nas vértebras da noite.
No silêncio agitado, os miúdos apagaram a luz em busca de um sono sereno da meninice perdida. Enroscaram-se nos lençóis, e em trejeitos corporais, foram buscando um conforto que lhes amaciasse a alma. A penumbra convidativa da noite apelava ao descanso. As mãos dobravam-se lateralmente, aconchegando a almofada ao recostar da cabeça, e o olhar perdia-se no infinito da escuridão. A manhã ficava à distância de um encerrar das pálpebras. O alvor seguinte antevia-se frenético, no seguimento dos anteriores, num rodopio que guiaria as pessoas para os campos. Lá fora ouviu-se os sinos a dobrarem uma hora incerta. Era tarde. No limiar do sono, as crianças sentiram um beijo materno que lhes velava a noite, com zelo e protecção. Um vulto feminino afastava-se untuosamente, fechando a porta com delicadeza. No coração das crianças, o sono foi apaziguado por um descomprimir do peito.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Dependências Mundanas

São avulsas as publicações que actualmente abundam por estantes, prateleiras de supermercados, grandes superfícies e lugares que não lembram ao diabo, que versam sobre auto-ajuda, vendem a felicidade, indicam o caminho do paraíso, da vida harmoniosa, da beleza que o tempo teima em ir corroendo, num tic-tac pernicioso que a todos inquieta. Vendem uma panóplia de informação, apelativa, nalguns casos de tão objectiva eficácia que parece que nos foi escrita por encomenda. Muitos, por força de não terem hábitos de leitura, ignoram, mas os mais atentos, variavelmente influenciados por chamarizes cortejados, compram-nas.
Não sou crítico deste género de leitura. Nem é meu desígnio intentar contra a moralidade do seu conteúdo. Já procurei essas orientações, já me regi por algumas dessas ideias e considero ter obtido algum proveito. Todavia, por muitas e boas dicas que nos transmitam, passado um certo tempo, voltamos ao insidioso quotidiano que privilegia o supérfluo em detrimento do essencial. Perguntarão os leitores mais atentos (sê-lo-ão os que me leram até aqui – bem-aventurados os que continuarem), o que é obsoleto na vida? Se eu fosse um profeta brasileiro de mil e um ofícios, pensaria que o ofício de escrever é um capricho entre os outros mil ofícios de bem viver. Mas como não sou nenhum predestinado, não sei o que é fútil ou obsoleto. Indubitavelmente o hipotético profeta (ataviado de acessórios divinos) não teria pejo em indicar de forma cativante e melíflua, uma linha de vida que ao ouvido, soaria triunfalista com um efeito paliativo mágico.
Mas não querendo ausentar-me da temática que me aprouve escrever, reflecti sobre valores que a vida me foi ensinando, que eu fui guardando após triagens muito criteriosas, com ajuste aqui, aplaina ali, erro acolá, cabeçada além… e concluo que a informação que fui reunindo me parece inepta para enfrentar a salgalhada de problemas e adversidades que o ritmo do mundo impingiu. Todas as teorias, concepções existenciais, orientações divinas, surgem como intrincados modelos não aplicáveis à conjectura actual da sociedade. O efeito de dogmas, ensinamentos e informações variadas de índole moral, promovem um certo bem-estar efémero, mas são impotentes para enfrentar a máquina avassaladora que nos catapulta para o desprezível individualismo. Vivemos imersos em dependências, e são elas que nos atingem como projécteis de uma chuvada diluviana. Dificilmente sobrevivemos à teia que o consumismo nos enreda. Viver à margem deste fatalismo, é reservado aos heróis. Admiro cada vez mais aqueles que vivem num certo despojamento material. Admiro aqueles que amam harmoniosamente, sem exigir nada dos outros. Admiro aqueles que são superiores às mesquinhezes do dia-a-dia, da competitividade feroz e bárbara que priva de sermos humanos na sua verdadeira essência. Admiro os que buscam na natureza, um refúgio que lhes preenche a alma, e que, nós, ilusoriamente, colmatamos com um apelo ao consumo, ao conhecimento interesseiro, à servil condição egoísta que nos domina. Chego ao cúmulo de admirar os falhados, aqueles que, certamente por falta de oportunidades, conseguem viver com mais intensidade, num elo que os liga ao mundo e à vida que nos deixa atónitos; vivendo na penúria, muitas vezes dão-nos lições de vida. Admiro aqueles que sem nada, enfrentam a vida de forma serena, superiores a tudo, sem aquele pânico desvairado que os nossos rostos transmitem, como se vivêssemos em agonia. Admiro aqueles disciplinados no manjar, comendo para sobreviver, e não vivendo para comer.
Sou levado a crer, fruto da minha precária sapiência, que o que faz mais sentido nesta vida são todos os fluxos de afecto que se estabelecem entre nós e os outros. Podem ser manifestados por um sorriso, por um gesto, por um olhar, por uma atitude, por um afago, por uma contemplação poética e assombrosa do belo. Contudo, se tudo gira à volta do amor, o frenesim que a nossa mente enfrenta diariamente, é tudo menos harmoniosa; é tudo menos amor. Sem pretender ser entediante sobre este famigerado tema, considero que o amor deve ser uma dádiva aos outros de forma totalmente desprendida. Sem sentimentos subjugados de posse. Sem pressupor nada em troca. Efectivamente, a forma como se arquitectou esta teia mundana, promove os amores fugazes, amores desavindos, amores desconfiados, todos eles, amores desamorados.
E se sabemos o que é certo e não o fazemos, porque insistimos nesta cobardia? Perguntarão os mais argutos: mas o que é certo? Leiam nas palavras que durante os dias se escrevem no horizonte com o vento, o mar, a chuva, o sol, o luar e o sorriso afectuoso de alguém que se cruza connosco no caminho.