Épica Desventura
De que serve remares contra a corrente? Velejares contra o vento dominante, sem astrolábio nem mapas, à deriva neste mar imenso? Que luta inglória essa, qual batalha épica que travas, de final antecipadamente perdido? Servirão de alguma coisa as ousadias extemporâneas, as críticas exasperadas, os inconformismos anacrónicos, as insurreições ininteligíveis? Riposto enfurecido: afastem-se de mim! Sufocam-me o respirar! Maculam-me a alma!
Cresci tolhido por esta ânsia que me persegue, esta sede de justiça que me constrange o viver. Contudo, por vicissitudes indizíveis, apostatei. Quero libertar-me desta liberdade - pleonasmo desgarrado! Quero prender-me nas amarras que parecem glorificar os que a elas se fidelizam – os correligionários do colonialismo intelectual! Quero revelar o que sou, ao silêncio, ao vento... a quem me ama! Capitulo nesta impotência inexpugnável, nesta espera, nestes horizontes que enegrecem por nuvens poluentes que me intoxicam os neurónios, pulverizadas pelos gases de escape fuliginosos dos arrivistas.
Passam por mim, servis bajuladores, seguem numa horda virulenta…surto epidémico, cuidado…
Caso me conhecessem de verdade, desconcertavam de perplexidade. Desconhecem-me imune. Não sonham como os poetas, não amam como os cetáceos, não voam livres como os albatrozes. A névoa matinal encadeia-lhes os olhos, a chuva conspurca-lhes os dias, o vento despenteia-lhes os cabelos que camuflam a imbecilidade interior. Mas eu, para onde vou? Desatino. O meu quotidiano é um desalinho solitário, são notas dissonantes que desafinam esta orquestra de acordes elementares, de partituras rígidas, orquestradas por vis maestros, bafientos agiotas que, inscientes da música, dissimulam playbacks engendrados por pautas gastas, paradigmáticas da audição inepta da plateia. Definho nas mentes destes idiotas que me rodeiam, regrido. Tirem-me deste filme! Se não é filme – dispenso conhecer o género –, submetam-me a uma regressão e mandem-me para o período romano, atirem-me para a arena dos leões. Assim, sentiria a voracidade dos animais, assertiva, em vez de ver dissimuladas, feras cobardes que me querem chupar o âmago do meu ser, por ser quem sou. Assim, seria motivo de júbilo de uma multidão apoteótica, ávida da carnificina boçal que teima em indissociar-se das essências das gentes, as quais, eufemisticamente designamos de humanas.
Rasguem a fronteira deste abismo que nos distancia milhas de quilómetros-luz, ergam-se barreiras que separem este céu do inferno e deixem a luta continuar, de batalha em batalha, com sucedâneas feridas saradas, rejuvenescedoras da minha luta, que, perseverante, de derrota em derrota, chegará até à vitória final. E termino como nos contos infantis, com uma moral da história: nunca subestimem os derrotados... aparentes.