Alma de Nada
Esta noite não dormi. Peguei num papel e comecei a rascunhar uma carta. Fi-lo para um destinatário incerto: para a minha infelicidade, ou para ninguém. A morada? Desconhecida. Talvez para o Senhor Ninguém dentro de mim. Esse interior de nada, esvaziado de tudo. De sonhos, de projectos e ambições. Restou nada. Dentro não está ninguém. A silhueta que me configura um corpo, é uma tez ressequida que sobeja do nada. Petrificou em reacção com o exterior, por esse nada ser tão nada em relação à alma do mundo. É a química inverosímil do sentir.
Vogo à mercê do tempo. Da leve brisa. A nada resisto. Derivo na crista das ondas de um ciclone depressivo. Que o vento me levasse para longe, em busca da essência perdida. Mas onde encontrá-la? Resta esta desoladora solidão. Nada de nada. Ao longe o mar. Queria ir ao seu encontro, mas o mar não gostaria de me ver assim. Sei que lá, inalava a maresia; alagava-me de água salgada. Depurava o meu nada. Enchia-me de mar. Contemplava o mundo com outros olhos.
Olhos de água do mar. Azuis como o céu.