terça-feira, fevereiro 21, 2006

Inércia

Nada me ocorre,
Um simples laivo de inspiração
Um relampejo indolente
Um flash lúcido,
Uma mera purgação da mente.

Nada acontece,
Neste torpor persistente,
Oh papel desperdiçado!
Por palavras desconexas
Ideias sem brilho
Ao menos esta folha,
Podia servir para embrulho.

Não chores árvore,
Presto-te fraco tributo
Reverencio a tua gratidão
Não sei da tua essência
Mas esta poesia
Garanto!
Não vale um tostão.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Anoitecer



Arrasto os meus despojos
Nas energias que sobejam do dia
Repouso,
Nos resquícios do crepúsculo
Amarfanhado pelo incêndio do horizonte
Que se apaga e recrudesce a minha deriva.

Desprendo os meus pensamentos
Na vencida malha da razão
E verte do meu âmago,
A bonomia ingénua
Que jorra sem filtros argutos
Vergados por uma jornada
De cansaço inexorável
Oh! Que adágio sentido
Que irrompe do coração sadio.

Solto a minha alma
Na noite das bruxas
Entrecortada por aturdidos morcegos
Prenunciando desgraças
Agoirando a noite de medos
Impermeável aos cortinados
Que velam intimidades e carícias
Nos vales e cumes do pecado.

Desprotegido,
Permaneço na noite
Na toca que me abriga
Por entre páginas de letras
Escalas de música,
Poemas de outras eras
Preocupações estúpidas
Zumbidos de mosquitos
Que me azedam.

Na antena,
Debitam conversas soltas
Que amaciam o peso das horas
E tardiamente,
Galga a aura do sono,
Pelo meu corpo acima
Num calor que me trespassa a essência
Mantas que me envolvem
Pálpebras capituladas que se aproximam.

Foto e Poema: Duarte Olim

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Memória de Um Olhar

Nos teus olhos leio candura,
Do teu olhar emana a bonança
Que amaina a minha tempestade;
O teu olhar acelera o meu pulsar
Exacerba as minhas emoções
Num desconcerto de loucura.

Cirando nas tuas pupilas,
Vislumbro no seu brilho
Paisagens idílicas,
Édenes esparsos que ressurgem na bruma
Árvores que crescem das tuas pestanas,
Arqueadas, de ramos esguios
Como a elegância autêntica de um cipreste
Que orla o átrio
Do bosque dos afectos.

Dialogo com o teu olhar,
Ele transforma os sentimentos
Em feitiços vadios
Em estrelas polares que me guiam para um abrigo
Num embalo inopinado de mar.

A tua íris desvela o universo
Essa constelação estrelar infinita,
O arco-íris que os meus sonhos evocam
De mil cores,
Espelhado no mediterrâneo que nos espera
No recanto de uma árvore
Crescendo ao ritmo da sintonia
Enleada pela frondosa copa que terá um dia.

A luminosidade dos teus olhos,
É o reflexo de uma gota de luz
Que refulge num prado campestre,
De pureza fulminante
Sincera essência que me toca,
Empoada pela névoa matinal,
Que serena a minha alma.

O teu olhar é marinheiro,
Forma uma corrente que me abalroa.
Dele ecoam idílios,
Que emudecem as serenatas
De amor transvazado,
Essa melodia que ecoa
Em vagas soltas esbaforidas
Do oceano vindas
Para o mar idas.

A profundidade dos teus olhos,
Tem mil encantos de sedução,
Exala uma fragrância doce
Tão inebriante como gulosa
Que saboreio nos confins da memória.
O antro do teu olhar
Impele-me para ti
E na impotência de nele entrar
Acabo por te beijar.

Sinto no teu rosto
A harmonia de um campo de lírios,
A calma que do mar me rejuvenesce
E me chama para ti.

Duarte Olim

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Barco à Vela



O frio varria o manto marítimo de tonalidades pardacentas. O mar reprimia as ondas, impotente para fazer espreitar uma vaga no gélido crepúsculo da tarde. A imensidão infinita espraiava-se no horizonte, enquanto a viagem prosseguia calma para o Sul. Para trás ficavam isoladas na memória, as numerosas ilhas da cidade. Baixios e aves marinhas de forte estirpe.
Numa espreitadela distraída, fui enlevado por um anjo luminoso no horizonte. Os raios que sobejavam da tarde iluminavam as velas translúcidas de um barco. Dos mastros pendiam as velas desfraldadas ao vento. Aquela brisa cortante que se detinha na lisura dos panos que, esticados, definiam contornos de um corpo formoso de mulher. O velejar suave estendia um tapete aveludado de mar, por onde a quilha do barco rasgava as centelhas das ondas. O destino? Rumava em direcção ao pólo norte, quiçá às ilhotas que a memória ainda retinha. O chapinhar nas águas cadenciava notas de melodia marítima, tão deliciosas como esta visão graciosa. Procurei estacar no tempo, fazendo perdurar aquele momento, na ânsia de descobrir como aquele incólume veleiro, seguia numa paisagem cinzenta, num cenário sinistro prenunciador de intempéries. Teria o velejador um acordo com os deuses e astros, na rota escolhida para esta passagem? Ou conheceria a linguagem das aves marinhas, mensageiras dos mares?
Na reflexão deste instante, lembrei-me das portas que se abrem na nossa vida, em que o vento sopra na direcção do sucesso, mas a boçalidade do nosso calculismo, egoísta e avarento, renega a origem inata do que nós somos, deixando as nossas velas amarradas, intrincadas às futilidades mundanas.
À medida que o barco se sumia na paisagem, contemplei-o estarrecido, onde reverberavam as velas que ataviavam o horizonte, de um dourado de paz, que refulgia de forma intensa neste bucólico ocaso.
Arribei as velas ao vento e, neste ensinamento sapiente, segui as coordenadas que me foram confiadas pelo anjo, seguro de uma caminhada no mar que, calmo ou revolto, sabia não interferir mais na minha cruzada.

Foto: Duarte Olim

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Vistam-me de Folhas!



Rasguem-me estas vestes lúgubres!
Afastem de mim estes tons funestos!
E vistam-me de folhas!
Espalmadas como as das árvores caducas
Vistam-me de folhas!
Coloridas como as estações que matizam a paisagem.
Vistam-me de Outono!
Vistam-me de Primavera!
Se desnudar-me no Inverno
Vejam a minha alma,
Casta e nua.

Finado pareço, eu sei!
Incendiado pelo Outono de fogo
Das folhas caídas, varridas…
Desdenhosas.
Mas, nos raios precoces do solstício
Renasço com vigor!
Buliçoso,
Na elevação para o céu
De verdes claros translúcidos
De fino recorte foliar
Harmónica sintonia com a natureza
Campestre vida que eu queria.

Poema: Duarte Olim
Foto daqui