quinta-feira, março 20, 2008

Colonização Interior


Foto de Duarte Olim

Há algo em mim desabitado: um vazio, um ermo que se expande e alastra, conquistando novos campos e vales palmilhados por um caminhar que vou ensaiando a cada passo que tento nas incursões fora do berço basáltico. Percorro valados, estancio em planuras infindas que a minha génese só avistou no manto de mar da mocidade. Calcorreio bermas de riachos encantados, um estreito de mar que separa continentes e se parece com um rio, vogo serpenteando em carris que reverenciam a orografia ao invés de outros trilhos da ilha que conspurcam o autêntico; deixo-me levar pelo magnetismo de estradas infindas que apontam o desconhecido, bordejadas de colírios que me descongestionam o olhar; faço pausas no sopé de um monte, nas planícies desabitadas. Em todos estes paradeiros reina um silêncio ameno, não apenas nas horas mortas, mas noutras, aquelas episodicamente interrompidas pelo indecoro de um sobressalto interior. Não tenho escudeiro. Nem por isso deixam de ser venturosas estas errâncias, até porque neste vagabundear atento, assoma um fremir velado que escava na alma sólidos alicerces que sabia urgirem, que serão vitais para o porvir que me assola em forma de uma refrescante brisa perfumada que anuncia novos afectos a reclamar morada. Quero estar apto para este acolhimento. No entretanto, regozijo-me pela colonização que consinto em mim, outrora interdita, agora impelida pela fertilidade que redescubro no dealbar de cada pedra que parece obstar o caminho. São levas de campos fecundos que se espraiam num sentir indómito, personificado nestas lezírias profícuas, cuja fertilidade quero potenciar plantando sebes de sentires, planuras de vida, pontes de fraternidade que me liguem este interior ainda torpe e às avessas, à essência. Não basta a protecção da alma por um mar complacente e amigo, é preciso não putrificar em contacto com a sinecura, com o culto da ignorância e a fétida influência de sabujos. Gosto da leveza do abismo que, da brumosa vertigem me fita e chama, como mais um apelo para o desconhecido, oferendando a sensação de me sentir espremido pela saudade de um lugar distante: converto-o num abraço de plenitude.
Quero habitar-me, urge esta colonização em mim. Sou sôfrego dela. Irrigam-me influências que me entoam noutra fonética, mas que revelam porções de identidade que estão mais conexas com as significações que pensava atribuir aos que brotaram da ecologia humana do basalto, em suma, da minha. Ai quanto me engano. Prefiro estar ausente de mim, de um berço que deixo momentaneamente, mas que sei encrespar a minha idiossincrasia. Tenho saudades dos ideogramas que subentendo e me surpreendem: são de longe, tal como são de longe outras personagens que contracenam comigo no acto da vida – entre elas a necessária solidão –, e que melhor compreendem o sentir e o desejo de me habitar. Atrever-me-ia a finalizar professando esta bem-aventurança ateia: bem-aventurados sejam os que não se barricam em muralhas e fortalezas interiores, abrindo-se para o vazio do exterior, expostos à colonização espiritual.