segunda-feira, dezembro 06, 2004

O Barco Lusitano

Enquanto o mundo lusitano gira à mercê deste esquife à deriva, desgovernado, iluminado por faróis que aparentemente guiam esta barcaça, eu retiro-me e refugio-me na mansidão do horizonte. A barcaça, essa, rodopia, ciranda, balanceia, e o seu desnorte vai-se avultando, de nada valendo o alumiar dos faróis indecisos no vislumbre de tamanho fastio marítimo. A navegação é lenta, o destino é incerto, mas não há domínio naútico capaz de interpretar a localização dos astros e a descodificação pelas estrelas. Nem o brilho do luar satisfaz estes marinheiros, mesmo em noites de lua cheia.
Insistem em navegar junto à costa, alumiados pelos faróis. Quem acreditou nesta tripulação, olha com desespero e derrota, erguendo a cabeça para os céus, quiçá bradando-lhes. Possivelmente lá encontrarão os segredos da navegação, mas aqueles iluminados tripulantes, mesmo com a ondulação favorável, não arredam dos faróis. É um salve-se quem puder que entremeia a luz e as trevas, entre cada translação do farol. Para que ninguém veja! O comandante é agarrado desesperadamente pelos outros na penumbra. Aqueles que ao mediatismo fácil, confiaram e enveredaram pela navegação, altivos, arrogantes, desrespeitosos para com os oceanos; para com os verdadeiros navegadores. A mediocridade da navegação é confrangedora quando um ligeiro afastamento dos faróis é consumado, e nem a intermitência da luz repõe a calmaria. Quando o foco ilumina a barcaça, a tripulação simula gravidade, confiança, domínio sapiente dos mares.
Enquanto este alvoroço prossegue, retomo o olhar para o horizonte e contemplo-o enquanto o desassossego dos que lá ficaram, é diluído pelo som da maresia, pelo rebentar das ondas e pelo intercalado canto das aves marinhas. As ondas, como que portam mensagens que chegam abundantemente, e espraio o meu ser nesta envolvência, nesta distância dos aflitos que lá atrás ordenam que se potencie a luz dos faróis, enquanto em terra, alguns experientes dos mares, assistem impávidos com uma expressão risível.
Na praia, debruço-me e sento-me na areia. Apoio os braços sobre os joelhos e entrelaço as mãos. Observo as ondas – mensageiras de esperança –, que incessantemente vão deixando suas marcas no recorte da areia, na bordadura que transita entre a areia seca e a acariciada pela escorrência das ondas. É como se o remetente insistisse nas imprecações, em ininteligíveis súplicas, nos avisos cautos trazidos pelas ondas. Por vezes a rebentação troa vigorosa, rasgada por trovejos estridentes da água, que cortam o manto diáfano do silêncio.
Pressagia-se o naufrágio e o povo lusitano sente um calafrio de medo. E vergonha.

Duarte Olim