terça-feira, outubro 21, 2008

Xeque-Mate



Os parques e jardins públicos são, amiudadas vezes, palco de encontro de gerações a quem a sociedade dispensou funções. Locais com estas características reúnem as condições que melhor permitem a fuga à solidão, a quem busque o aconchego e uma Primavera aparentemente infinda. A caducidade da vida empurra alguns, subjugados pelo estigma das miseráveis reformas, para jogos da batota, e outros baralham cartas, espalham peças de dominós ou simplesmente, acabrunham-se comprazidos pela cor envolvente e a paz que esta fase da vida reclama. Na habituação a ela, os jardins são o asilo. Evocam simbolicamente a Primavera da vida, num Outono que, para eles, urge segregar seiva até à última gota na imperiosa necessidade de manter as folhas e, em suma, adiar o fatal fenecimento. E é tão colorido este fim que se estranha as magnificentes tonalidades amarelas, gemadas, douradas, laranjas, escarlates, magentas e o efeito que delas se gera. Há tanto de belo e grandioso neste fim como nalguma tristeza.
Mas se associarmos à idade um abrandar de tantas capacidades que os anos vão, impiedosamente deteriorando, de espantar foi a minha chegada a Brasov e a primeira visita ao grande parque local. Se não é a capital da Transilvânia, é sem dúvida a cidade mais charmosa desta extraordinariamente bela região. Nos jardins, férteis em cor, deliciava-me com as matizes de Outono e nesse caminhar, fui conduzido pela errância até a uma zona de repouso onde grupos de idosos se posicionavam em mesas a jogar. De pasmar foi o facto de constatar que as mesas tinham a superfície sulcada e pintada em forma de tabuleiro de xadrez e era nela que os engenhosos personagens pousavam as peças do jogo que conservavam para aqueles momentos de mental exigência. E se Alzheimer é uma doença que atinge sobretudo pessoas que se demitem de uma utilização exigente do intelecto, é sabido que exercícios mentais desta natureza retardam o aparecimento desta insuficiência degenerativa; é, pois, plausível que os habitantes desta Roménia dos contrastes desenvolvam resistências a esta enfermidade. É ainda mais verosímil que nestes centros em que o xadrez é rei, se esteja perante uma população “esclarecida”, com apurado sentido crítico e pouco propensa a manipulações baratas de toscas arengas. Com xeque-mates ripostarão quando lhes tentarem seduzir com lérias. E é admirável como podemos ser surpreendidos por detalhes desta natureza em países de emigração, necessitados, como esta Roménia que, no seu seio ainda tem pessoas que continuam a escolher o nosso país na ânsia de um futuro com maior dignidade.
E se os nossos idosos jogassem xadrez e os nossos governantes incitassem a prática apetrechando algumas mesas de jardim com o axadrezado dos tabuleiros? E se estas gerações enveredassem por exercícios desta exigência intelectual? Recordo-me de ter confrontado uma mulher romena com esta particularidade de alguns jardins públicos romenos, depressa menosprezado pela mesma. Não creio que seja de menosprezar, a mim recordou-me o tempo em que ainda realizei algumas partidas de xadrez e da exigência que as mesmas exerciam, levando-me a uma rápida extenuação mental. Porquê? Impreparação? Estou certo que sim, ou aliado ao tédio de me obrigar a uma inércia fastidiosa que o meu ritmo não consente.
A pertinência de algumas perguntas acomete-me após a factual visualização: como seria a nossa população mais idosa se ela se embrenhasse neste tipo de jogos ao invés de cultivar tanta melancolia e inacção? Ao invés de tanto tempo perdido em frente da televisão, envenenando a mente e conspurcando a alma com programas de tão abjecto nível? Gostaria de saber… e também de ser estratega do xadrez da vida.