quarta-feira, junho 18, 2008

Chegada ao Reino de Tomislav

Oriundo de terras bávaras, onde o casario se deixa coroar por funestos telhados negros que se opõem ao verde dominante, a descida despercebida do avião estarreceu-me quando, acordado do enfado da viagem, avistei telhados de vermelho garrido em pequenas e singelas casas dispersas, salpicando uma paisagem rural de relevo incerto e mosaicos assimétricos. O planar do sopé de uma montanha revelou a lisura de um encosta que reconheci outrora em guerra, ou não fosse ela o pano de fundo de inúmeras reportagens que anunciaram sórdidos combates e terror. Emergiu alguma fealdade, à medida que a concentração de casas deu lugar a altos e funestos prédios sem harmonia, à medida que a densidade das moradias desvelava a urbe. Zagreb espraiava-se no meu olhar. Acto contínuo à normal aterragem, encontrava-me no interior de uma aerogare digna, mas sem brilho. Desde a passagem nos serviços transfonteiriços até apanhar a bagagem foi um instante. Lá fora perscrutei todos os cantos em busca de informação sobre câmbio. Nada, as poucas casas para o efeito apresentavam-se apinhadas e porque a fome apertava, encontrei uma máquina automática. Levantei o que a intuição me sugeriu: 300 kunas. Julguei suficientes para me fazer à cidade e para qualquer gasto imprevisto. Lá fora fui surpreendido pelo verde envolvente, onde a Primavera já explodira na sua plenitude. Aquiesci: um clima assaz amigo para esta chegada. Todavia, o cauto aconselhou a não afeiçoar-me a qualquer assombro prematuro. Zagreb, como cidade, evocava conflito, e, de certo modo, ia preparado para tudo. Foi fácil descortinar um meio de transporte até à cidade, disponível num autocarro guiado por um sujeito de trejeitos másculos. Pelo caminho, em 20 min de viagem atravessei o Rio Sava, além dos mais alcandorados edifícios sem estética que ladeavam o rio que a cidade não abraçava. Esta tinha uma vocação mais montanhista.

Daí até estacionar e iniciar a minha orientação na cidade, foi um fado. As informações eram deficitárias e os mapas da estação central careciam do providencial e útil “você está aqui. Meti por um passeio até à linha dos eléctricos que normalmente se encontra no trilho dos centros, e aí tomei uma imensa avenida marginal que, no dizer do mapa, me levaria à rua pretendida. Fui flanqueado por graffitis que me prognosticaram o pior cenário. Sempre associei esta arte (que respeito) à prevalência de problemas sociais e violência. Vetustos prédios ensombravam o meu caminhar e certamente eram vestígios do comunismo, incorporando uma arquitectura gélida e informe. Até à rua estipulada, precisava de comunicar com um tal Sr. Dinko Morovic. Pelo caminho, numa rota pouco afável ao recém-chegado, a impressão foi de pobreza e miséria. O progressivo caminhar foi exibindo um decrescendo de indigência, que dava lugar à modernidade que já conheci em longitudes do Leste Europeu. Esta impressão derivava do esboço que fui lendo nos rostos que se me cruzavam, patenteando auto-confiança e assertividade. Os femininos exibiam uma beleza infinita. E se necessidades fisiológicas me obrigaram a alienar das observações preliminares, não fiquei indiferente ao verde que quebrou a desarmonia inicial, nem à confortável segurança que me foi rodeando, enleando a minha chegada.

Ainda não o conhecia, mas o rei Tomislav, perpetuado na estátua equestre, saudou-me à chegada, porém, por entre o bulício formigueiro que efervescia da estação de comboios que ele velava, e a não habituação a recepções régias, alienei-me do seu acolhimento.
Posteriormente redimi-me do sacrilégio e compensei o Rei e os seus outrora súbditos.

4 Comments:

At 6:49 da tarde, Blogger Rui Caetano said...

Parece que a chegada foi bastante solene, com o rei Tomislav na estátua equestre a saudá-lo, é de facto grandioso.

 
At 10:58 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Os teus relatos são de tal modo vivos que é impossível não viajarmos contigo. Obrigada pela partilha. Fico cheia de inveja! :)

Boa semana. Bjs

 
At 1:32 da tarde, Blogger clarinda said...

Olá Duarte,

O estranhamento à chegada a um lugar desconhecido deve ser comum a qualquer ser humano, mas depois, sei lá, parece que se 'entranha' com diz Pessoa. Descrição bem pormenorizada e impressionista.
Ah esse rei Tomislav, que venha ele!Que se revele! Será semelhante a Árpád, da Hungria? Afonso Henriques?

Beijinhos

 
At 11:55 da tarde, Blogger Martinha said...

Que saudades de Zagreb. Acho que o melhor que posso dizer sobre a cidade, é a imensa vontade em voltar. Já estive noutras grandes e muito conhecidas cidades da Europa mas nenhuma me tocou tanto com Zagreb. Não dá para explicar, só sentindo....

 

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