terça-feira, fevereiro 03, 2009

Imprecação



Não sei o que guardo nestas mãos que insistem em permanecer frias. Talvez retenha nelas o inverno da vida ou a dormência da esperança. Anseio pela seiva que me há-de abrolhar ramos profícuos e gomos florais.
Lá distante, onde a vista quase não alcança, meço o negrume infinito que cerca a ilha e quase não avisto o mar, ou é este que se dilui em vagas sôfregas que agudizam a frieza destes dias e devoram a bonança. À superfície esboçam-se retalhos nebulosos que lhe desalinham a quietude habitual. Ai o mar, é ele que tanto me abraça, e, na mesma proporção me afasta do meu fito. Qual fito? Ao menos se eu lhe descortinasse a silhueta, nem que fosse um fugidio espectro. Só sei que é esta intensidade de azul que me irradia paz quando a tempestade simula feições pungentes de fúria e medo. Para Nordeste há um Minho misterioso escondido na bruma e revestido por musgos que escondem a génese primordial granítica. É claro e sarapintado, de gema leitosa, com dureza afim a este basalto que do seu negro me cansa. E se, em vez destes alinhamentos negros, emergissem da terra contumazes afloramentos graníticos, que paisagem me restaria? Quiçá a ilha desmaiasse por incompatível atavismo com a identidade insular. Quanto eu me regozijaria desse desfalecimento, para que, dessa metamorfose, se expurgasse este marasmo que reina, ou a perfídia que teima em habitar as gentes. Ó pátria, se soubésseis ao menos o quanto nos tolhe a mesquinhez que grassa, ou quanto desta maledicência dissimulada inferniza quem aqui reside. Não bastava saber que destituídos nos levam ao leme, e que a burrice está elevada a uma forma consagrada de ciência. Urge saber, quem nos valha!?

"Há tantos burros mandando em homens de inteligência que às vezes fico pensando que a burrice é uma Ciência"

Ruy Barbosa

7 Comments:

At 10:55 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Noto desalento e melancolia nestas palavras, ainda assim belas...
Perpassa nelas uma soturnidade que associo a estes longos dias cinzentos e de chuva.
Felizmente, o sol começou a revelar-se timidamente.

Não sei quem pode valer-nos. Aqueles que podiam fazer alguma coisa estão demasiado preocupados com os seus umbigos.

Fica bem. :)

 
At 2:16 da manhã, Blogger CELIAJOAO said...

De facto, o desalento é notório!
E, estou em crer que esse desalento se deve nao só, ao "mais do mesmo" do dia a dia, como uma alma sem rumo, nem remador!
Beijinhos
Célia João

 
At 2:17 da manhã, Blogger CELIAJOAO said...

Embora seja um texto triste, é por outro lado muito bonito e bem escrito! Continua a escrever......

 
At 12:27 da manhã, Blogger tb said...

somos, mas ainda não aprendemos a sê-lo. Um dia, talvez lá longe, talvez lá perto, aprendamos e, aí sim. seremos!
Como sempre um texto brilhante, meu amigo.
beijinhos

 
At 4:47 da tarde, Blogger Tina said...

Procurando um poema sobre o Rio Moldava, encontrei-o. Apesar de normalmente preferir a rima, a cadência dos versos foi irresistível e tomei-o por empréstimo para publicá-lo no meu fotolog (http://www.fotolog.com/cretcheu3). Ressarci-me divulgando o endereço do seu autor, dando a César o que é de César.
Os seus textos são versos em prosa, mesmo quando destilam esta melancolia fininha. Por coincidência, hoje é o que me envenena a alma, como resultado dos despedimentos selvagens na empresa onde trabalho...
Bom fim de semana.
Tina

 
At 12:52 da tarde, Blogger deep said...

Olá! Que é feito das tuas memórias e das tuas palavras que nos fazem viajar?

Bom fim-de-semana. :)

 
At 9:23 da tarde, Anonymous Beatriz said...

Não poderia passar sem deixar um comentário. Adorei cada palavra do blog.
Aqui fica mais uma leitora :)

Parabéns*

 

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