sábado, março 20, 2010

Limpar Portugal

Fui daqueles que, antes desta iniciativa, sentiu orgulho, admiração, prestei homenagem ao povo da Estónia pelo sucesso estrondoso da sua acção. Foram precursores, através da sociedade civil, de uma acção de grande magnitude e a todos os títulos louvável. Quando se considerou a extrapolação de uma iniciativa desta envergadura a um país como Portugal, detive-me, mas acto contínuo, acreditei no seu sucesso. Portugal dá exemplos de solidariedade, de mobilização popular por causas. Porém, Portugal inclui Regiões Autónomas e, no caso particular, uma Região que, por temperamento, costuma revelar um certo “exotismo” nas suas decisões. Vai daí, criou-se uma nebulosa no meu pensamento. Se o bem comum em Portugal é achincalhado, tão maltratado, se não temos sensibilidade para preservar o património público, como seria na Madeira? A minha relutância em relação à adesão veio a superar as minhas piores expectativas. Reporto-me apenas à freguesia do Caniço.
Não critico a organização, pois o seu voluntarismo é, antes de tudo, mais do que qualquer contribuição minha, pois acresce a ela a responsabilidade de uma coordenação que requer empenho, trabalho e muita dedicação. Fiz o meu dever cívico no turno que a minha disponibilidade permitiu. Desloquei-me ao local que serviu de ponto de encontro, na tarde que reservei para este efeito e, para meu espanto, nem éramos mais de uma dúzia. A culpa não é de ninguém, a culpa é de todos, é essencialmente dos portugueses que cá residem. Quem é eleito para dinamizar acções que sirvam a população, teve uma colaboração residual. Facultaram-nos sacos e dois elementos do Corpo de Bombeiros Voluntários de Santa Cruz. Não podem acusar a organização do “Limpar Portugal” de falta de divulgação. Há meses que este projecto tem sido difundido nos meios de comunicação social. Tem mobilizado pessoas, de forma incansável, visando o seu sucesso. Reunir Portugal foi o desígnio, com o fito de limparmos o rosto lusitano. Mostrarmos que, juntos, podemos voltar, com brio, a ser um povo estóico e valente. No Caniço, freguesia populosa com algumas dezenas de milhar de habitantes, éramos poucos para tanto lixo. Atacámos uma frente, outras haveria, mas, nem que o nosso esforço fosse sobre-humano, não éramos capazes de responder sozinhos a tanto detrito. Foi possível concentrarmo-nos na praia e na sua envolvente, de características que, sem acção humana relevante, ainda conserva a sua beleza. A acção dos Bombeiros Voluntários de Santa Cruz afigurou-se de uma passividade avassaladora. Se o programa “Limpar Portugal” pressuponha voluntariado, os denominados oficiosamente de Voluntários preferiram a inércia. Quanto aos pescadores locais, aproveitaram a nossa acção para – numa atitude provocatória ou de civismo abjecto –, abandonarem garrafas, sacos, maços de tabaco pelo local. Não houve logística institucional à altura, tão-pouco privada, para o transporte do material, a adesão ficou muito aquém, resta esperar que a Autarquia, tal como se comprometeu, recolha oportunamente os sacos que deixámos organizados no local. Lamentavelmente, embora a acção tenha tido um objectivo essencialmente pedagógico, a exemplo do dia europeu sem carros, quando uma sociedade não tem capacidade de mobilização para aderir a causas como esta, conclui-se que é uma sociedade enferma. Esperemos que o rosto desta praia e da sua envolvente permaneça assim, puro, autêntico, asseado, como tentamos deixar, que seja um lugar que constitua o prolongamento do conforto, comodidade e asseio das nossas casas; que o cauto com o individual se expanda para o que é público, acção que corresponda a uma imperiosa expansão das mentes que a Madeira precisa e Portugal agradece. Aos que participaram nesta acção, seguramente Portugal orgulha-se deles como cidadãos. Pela cidadania, por Portugal.

2 Comments:

At 8:19 da tarde, Blogger Helena said...

Tens toda a razão. As pessoas ainda estão muito "tapadinhas". qualquer acção que seja "limpar" pressupõe que o povo suja, é uma luta hercúlea e desigual contra uma banda enorme de gente sem educação.

 
At 5:30 da tarde, Blogger deep said...

Compreendo o teu desapontamento. No concelho onde resido a iniciativa teve sucesso (ao que parece fomos um dos grupos mais numerosos) porque, há que reconhecê-lo, houve uma óptima coordenação e porque muitos presidentes de junta estiveram receptivos, assim como escolas, associações, escuteiros e alguns particulares. Contudo, houve também muitas vozes de reacção, que não só não colaboraram, como fizeram chacota de quem trabalhou. Quando vi o vídeo da Estónia, fiz questão de o divulgar pelos meus contactos - foram alguns deles que, para esta iniciativa, trabalharam no sentido de identificar lixeiras e mobilizar pessoas. Apesar de tudo, "Limpar Portugal" foi uma iniciativa bem sucedida e, a meu ver, para continuar. Não me esqueço do afinco e dos comentários de alguns adolescentes que integravam o meu grupo. Por eles, pelo que possam aprender, já vale a pena repetir.

Desculpa ter tomado tanto o teu espaço! Fica bem.

Bjs

 

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