segunda-feira, julho 06, 2009

Do Ouro das Cúpulas…


Avistam-se de quase todos os pontos da cidade. São mensageiras que ligam o mundano ao divino, antes que o profano esmague as bençãos imprecadas ou os créus descubram a falácia. Mas nem assim deixam de reluzir a todas as estações, teimando no dourado, imunes à corrosão, agrupando-se delicadamente num núcleo de mosteiros sobranceiro ao rio, ou simplesmente pontilhando a metrópole em pequenos núcleos que se erguem dos alicerces de igrejas catitas, convocando a miséria e a penúria para a oração, mostrando uma nova ordem, prometendo a esperança numa vida mais venturosa no porvir, porque nesta, nas condições que se observam, ela exibe-se dura, injusta e crua.
A doutrina ortodoxa exibe estas cúpulas faustosas, algumas graciosas, enquanto no interior do seu espaço de culto, reina uma decoração discreta, desprovida de estátuas magoadas, enriquecido por uma atmosfera calorosa, sombria e aconchegante. Os cânticos ortodoxos inundam de paz infinita quem os ouve, não há crente nem incréu que não suavize a sua iniquidade exposto a essas vozes celestiais.
Rio acima, a cidade parece não ter fim e as cúpulas acompanham-na para que não haja desnorte religioso. Elas assomam por entre arvoredo e ainda resistem aos prédios circundantes que tendem a insubordinar-se insolentemente contra a sua reverência, por desrespeito ou por espelharem a prevalência avassaladora do profano sobre o sagrado. O ouro exuberante ergue-se para os céus, espaventoso, como se daquelas cúpulas houvesse um aceno a deus, desesperado, corrompendo-o com ouro.


As estátuas que as igrejas ortodoxas não exibem, encontram-se espalhadas ao longo da cidade, alcandoradas para o rio. São elas símbolos do país, dos fundadores da cidade que se equilibram numa barcaça, santos padroeiros e outros heróis que materializam as memórias do passado. Há um arco metálico que simboliza a amizade celebrada, de duração risível, entre países irmãos como são a Ucrânia e a Rússia. Serve o arco da amizade de espaço de actividades lúdicas, esperando que neste exercício cultural seja resgatada a amizade que as diplomacias não conseguem.
Recordo ter lido menções a cidades das mil torres, cidades douradas, mas Kiev não é menos dourada. Os sinais de um passado recente desditoso e fértil em calamidades, guerras, acidentes fatídicos como o flagelo funesto de Chernobyl, entre outros massacres ocorridos na 2ª Grande Guerra que o povo ucraniano decidiu lembrar, está patente num museu evocativo da efeméride, para que a memória não esqueça… Nesse lugar ergue-se com invejável elegância, grandiosa postura, uma mulher de braços levantados ostentando sinais da libertação e da glória. Sob a sua jurisdição está o edifício que acolhe o museu mais emblemático da cidade, que não conseguiu dissociar-se dos traços bélicos. De contrapeso serve o manto verde que bordeja o Dniepre, restaurando a harmonia e a paz; é constituído por castanheiros, bétulas, freixos, choupos e outras caducifólias, que a perenidade não resiste aos rigores de inverno.
Kiev tem charme, colinas, tem uma rua pitoresca, antiga, ramificada por alguns atalhos antigos; toda esta área é comparada por alguns ao bairro de Montmartre em Paris. Parece-me exagerado, mas estas tentativas só vêm menosprezar a singular identidade dos lugares. Incomparáveis e obscenas são as antípodas reinantes: riqueza e pobreza. Não culpabilizo as cúpulas ortodoxas por esta discrepância, nem sei se deslindarei as suas razões.

5 Comments:

At 9:01 da tarde, Blogger ana said...

Olá,vejo que a tua escrita continua bela e de vento em poupa:)
Para quando a publicação dum livro?
E a tela, está a ser pintada?
Continua.
Bjo
Ana Pestana

 
At 11:23 da tarde, Anonymous deep said...

As tuas descrições e impressões só acrescentam a minha vontade antiga de conhecer o Leste (e que talvez tenha começado com a leitura de "URSS Bem Amada, Mal Amada", de Fernando Namora, que li há mais de 20 anos).
Obrigada pela tua partilha. :)

Bjs

 
At 11:39 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Bela visita guiada, pronta a embarcar nessa viagem…
Margarida

 
At 1:37 da manhã, Blogger zana said...

Ao ler este texto sinto-me a visitar a cidade... tens uma óptima capacidade descritiva. Muitos parabéns!

 
At 6:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

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(Liberdade de expressão e informação)

1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.

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4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

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