sábado, maio 15, 2010

Bem-vindo Ao Norte


O Norte, no nosso entendimento, é frio, cinzento, austero e inclemente. Mas esta condição geográfica, pela severidade que impõe, também pode ser ordeira, disciplinadora e sobretudo agregadora. Visitar o Norte no Verão, debaixo de um calor generoso, não me parece a melhor forma de conhecer a autenticidade deste lugar. Por isso, preferi chegar e sujeitar-me ao que pulula nesta latitude: o frio e a bruma. Cheguei arrepiado pelo primeiro, encontrei ameaças de bruma no esquadrinhar do firmamento. Ainda me interroguei porque troquei a amenidade da ilha, por outra ilha diferente no tamanho e incomparavelmente gélida. Viessem os vapores do vulcão da Islândia para temperar este frio cortante, polar, algo que detivesse esta aragem que penetra, que não encontra barreiras que a detenha. Mas depois, eis-me surpreendido com o contraste. Cruzam-se comigo e espontaneamente saúdam-me como se fizesse parte desta cruzada que sobrevive à purgação pelo frio. E fazem-no com franqueza, envolvem-nos numa dinâmica cordial que não estamos habituados. A maior agregação, essa faz-se nos pubs. Mas antes de lá chegar, cruzei-me com uma paisagem verde, humanizada, mas não tiranizada. Embora a apascentação reine em parte dos campos, o ar, embora com um travo de estrume (lembrando os Açores), é puro.
A paisagem surpreende, apela à calma, tem formas suaves, outras mais atrevidas, mas que se esvaem na planície, em encostas atenuadas pela horizontalidade, uma lisura que se espraia invariavelmente na costa. Há um predomínio de gado ovino, salpicado de cores que, nestas bandas, servem para distingui-lo, mas fui surpreendido por gado bovino, num caso particular, peludo, fazendo lembrar os bisontes que vi em westerns, além de uma abundância de cavalos felizes, sem cavalariças que lhes condicionem a liberdade, não tendo mesmo resistido a alimentar alguns oferendando erva da berma da estrada, bem mais apetecível que a remexida no interior do pasto. A compartimentação da paisagem faz-se, ora com arbustos, ora com redes, ora com fiadas de árvores, nalguns casos ficando ao critério do tojo que cresce profusamente e pincela a paisagem com a sua floração amarela garrida. Se é comummente aceite que a severidade do clima está indubitavelmente correlacionada com a forma como o ser humano exterioriza a sua afabilidade, para estes irlandeses não há nada que os detenha na manifestação de uma jovialidade calorosa que só a esterilidade das cidades consegue enquistar. Fica a dúvida no ar se não existirá uma poção mágica que desencadeie este comportamento. Chamar-se-á Guinness?

1 Comments:

At 4:18 da tarde, Blogger tb said...

Que belos relatos que nos vais deixando aqui, meu querido amigo. pedaços de um mundo feito para sermos nele felizes. E a prová-lo está o teu olhar por onde te vais deslocando e nos "arrastas" contigo...
beijo grande

 

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