domingo, abril 03, 2005

Mar Ultrajado


Mar de outrora Posted by Hello

Eras belo. Tua cor, diziam ser única: um azul intenso, marinho, que apaixonava ao olhar, contagiando amores e desafiando os afoitos. Para estes, os cautos avisavam: “há mar e mar, há ir e voltar”. Havia quem não voltasse, mas tu, mar, voltavas sempre na tua generosidade infinita. Tal como o horizonte que, longínquo, usava o teu traço e todos os dias projectava pinturas fantasiosas no céu. Um espectáculo grandioso. Aquele que, hoje em dia, estranhamente nos esquecemos de contemplar.
Banhavas a costa em carícias que o basalto amigo acolhia. Era harmoniosa a transição entre o teu azul, a espuma que nascia do teu toque no basalto, e aquele verde que se intensificava pela encosta afora.
Ondulavas nas praias revolvendo os seixos, limando-os na intemporalidade dos teus dias. Adornaste as praias de pedrinhas redondas, enquanto noutras enseadas, tuas correntes recriaram pequenos depósitos de areia. Negra como o basalto que, corroído, foi formando bancos no fundo, incapaz de imaginar que a tirania, um dia, havia de explorá-los desalmadamente, em barcos funestos.
Que saudades do mar de outrora, cristalino, com um aroma marinho que jorrava vida a quem o inalava. Onde estás? Lembro o teu azul, a tua transparência, a quietude das tuas águas, algumas vezes revoltas que, em turbulências exasperadas pelas tuas ondas incertas, galopavam pelas fortalezas basálticas que a ilha protegiam. Onde estás mar límpido que me libertavas o olhar para o infinito?
Vejo-te acabrunhado, tingido por tonalidades insípidas, olvidado, sem a mesma magnitude do azul de ontem. Magoado, lúgubre, poluído, com o teu fundo coberto por um manto de terra. Oh mar salgado, que me acolheste em momentos desvairados, regressa! Não te reconheço neste! Quem te conspurcou?
Recordo-me que ribombavas contra a rocha dura, projectando repuxos brancos, que arrastados pelo vento, nos refrescavam, enquanto buliçosos, corríamos alegremente.
Sei que reclamas. Ao invés de bateres na rocha sadia, encontras plataformas e carcaças funestas de fealdade infame. Estruturas grotescas erigidas com insanidade boçal.
Antes, contemplava a tua ira, mas nessa tua revolta, compreendia-te. Afogava no turbilhão das tuas ondas, as minhas inquietações. Admirava a tua força e contemplando-te, esvaía o meu sentir, sentindo a tua energia fluir para mim, numa catarse que me inundava de paz.
Já não és o mesmo. Quiseram desafiar-te e, magoado, revoltaste-te indignado contra a invasão desavergonhada que perpetraram, para de ti se apoderarem. Como te compreendo. Sei que a tua alma é inexpugnável, sei que resistirás às mentes pérfidas, tiranizadas pelo lucro fácil, usando-te como cobaia. Vem, continua a banhar-nos as encostas. Há quem continue a te respeitar. Paulatinamente recuperarás o teu esplendor. O teu brilho. A Lua voltará a reflectir-se nas tuas águas, formando rios de luz incandescente.
Aceito que destruas. Que reclames o que é teu. Que te insurjas contra quem te quis invadir: quem de forma indigesta arquitectou formas de te ultrajar.
Vem meu mar, hás-de voltar a varrer o meu marasmo. Hás-de ser sempre gigante neste equilíbrio, dos que contigo, acreditam na Harmonia da Natureza com o Universo. Juntos vamos vencer.

Texto e imagem: Duarte Olim

10 Comments:

At 2:38 da manhã, Blogger Ana said...

Também aqui o mar está presente.
E as tuas palavras são um alerta, um apelo a que o respeitem.
Eu acredito, Duarte, que o mar é tão belo , tão forte, que vencerá todos os ultrajes.
O mar foi o início de tudo, o nosso berço, a origem.
Digo como tu...juntos vamos vencer!
Um beijo.

 
At 9:32 da tarde, Blogger DT said...

Caro Duarte,

Ambos partilhamos dessa paixão pela natureza incólume.
As tuas palavras são um alerta para os mais incautos.
Abraço

 
At 6:54 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Belíssimo texto! Quem bom sentar-me aqui a ler as suas palavras, olhando esse mar dum azul divino...E que bom saber que há madeirenses assim...
Valeria Mendez, do blog
fadista-valeria-mendez.weblog.com.pt

 
At 6:59 da tarde, Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Olá Duarte,

Como apareci aqui? pois bem um conterrâneo teu, (que me é muito querido)Duarte Silva, que me aconselhou a dar um passeio pelo teu blog. Dou-te os parabéns pelo "conteúdo" da tua escrita. Achei uma delicia a "Fada das Teclas" o poema "Moldava" as tão sentidas "Palavras Moribundas" e acabei aqui no "Mar Ultrajado" acabei de o ler e senti que era um GRITO!!! e desejei que esse grito pudesse chegar aos ouvidos de "algumas" pessoas.

Voltarei ao "Desfiladeiro" com toda a certeza.

Um beijo

Betty

 
At 3:47 da manhã, Blogger Ana said...

Duarte, quando nos deixas ler-te de novo?
Fazem-me falta as tuas palavras.
Um beijo.

 
At 12:18 da manhã, Blogger Madeira Inside said...

Como sou apaixonada pelo Mar, adorei este teu texto. Se reparares, "evoco" muito o mar na minha escrita. O Mar, o cheiro a maresia trazido pelo vento...tão bom.
:)
Beijinhos

 
At 5:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Ler os textos que publicas no teu blog é muito agradável, porque até quando te insurges contra algo infame as tuas palavras são belas.

Beijinhos,
Rute G.

 
At 9:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Olá Duarte,
Hoje, dia 21-09-05, vim aqui pela primeira vez e deixei um comentário, no seu último post. Aí escrevi que nos unia a magia da escrita (a sua excelente, a minha regrada e humilde) e o Sporting. Pois bem, agora vejo que partilhamos o mar com o mesmo fascínio e amor. Um texto maravilhoso!
Só falta dizer que é advogado! É que eu sou advogada... Desculpe este à-vontade, mas a sua escrita faz-me sentir "em casa".
Mais uma vez, parabéns!

 
At 11:23 da manhã, Blogger Joaquim Nobre (JJ©N) said...

Os teus textos e poemas são uma lufada de ar fresco que vêm do paraíso!!!

 
At 2:47 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duarte gostei muito de ler este Mar Ultrajado,concordo contigo, não acrescento mais nada ,pois com tanta habilidade que vejo tanto em ti como nestes comentários, sinto me envergonhada pois não faço parte desta perfeição de escrita
infelizmente:( reconheço que é falta de leitura!

Beijinhos para o meu amigo Complicadinho;)

 

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