segunda-feira, janeiro 17, 2005

A Lâmpada da Vida

A centelha, que separa a euforia do desânimo, é tão débil como a certeza deste pestanejar intermitente do olhar. Julgamos a nossa estrutura psíquica inabalável, porém, num momento tudo se transforma, e, apavoramo-nos com o nosso aspecto, com as convulsões em nós operadas, como se fôssemos uma lâmpada que à pressão de um clique, ou ilumina, ou nos deixa irremediavelmente às escuras. É aflitivo o pavor de fundirmos, e num apagão tudo encerrarmos.
Tantos planos, tantas metas, tantos sonhos. Para quê? E agora?! Tanto tempo desperdiçado em nada, a produzir coisíssima nenhuma. E aquela luz que iluminava... de repente, uma avaria, uma falha eléctrica, e tudo se perde, tudo se escoa inapelavelmente entre as nossas mãos, aquela glória efémera de ontem. Não temos dívidas, pagamos a luz, mas parece que o dinheiro não se compadece, porquanto o palco da vida rui sob os nossos pés. Mas, de que vale o dinheiro? Que significação tão obsoleta.
Num ápice inenarrável, o nosso passado irrompe à nossa mente em curtas-metragens torrenciais, num esgar que projecta a nossa vida. Tanta, tanta vivência esbanjada, tantos momentos solitários, quiçá promovendo o ócio, que, muitos consideram uma forma de espiritualidade. Mas, se é espiritualidade, porque não sustém os nossos alicerces? Estes abalos sísmicos da nossa condição humana! Serão eles lampejos que desnorteiam a nossa caminhada, alertando-nos para a mortalidade da luz? Talvez reorientando-nos.
São estes estigmas que nos testam e permitem derivações nesta luta. Despertam-nos os sentimentos e sensibilizam-nos para a finitude deste aqui. De través miramos o espelho, assistimos a tanta atribulação. Suamos frio, alvoroçamos pela casa, ingerimos algo, fingimos que ainda não acordamos e lá voltamos ao espelho. Pavor! Somos estes!, e o espelho não engana. Lavamo-nos e revidamos aquela figura no espelho, aquela imagem ausente. Este espelho, outrora, nosso aliado nas boémias juvenis e nos tempos áureos de ontem, mas que agora confronta-nos com outra realidade. Seja ela o inquietante aparecimento de uma indelével ruga, de uma inusitada intumescência, ou umas entradas de calvície que creiamos serem espontâneas só nos outros. Sintomas de uma hipotética doença? E qual a verosimilhança de asseverarmos que não nos apavoramos com o fim? Tão verosímil quanto a afirmação do combatente que, atesta não ter medo da guerra, apesar de nunca ter estado num campo de batalha.
E, se enquanto a lâmpada iluminava, não aproveitávamos, e agora que a corrente vacila? Escurece e neste enegrecimento dissipam-se os sonhos. Ansiamos a luz, mas o quotidiano prega-nos estas surpresas e este filamento que nos prende à Vida, é tão frágil e de súbito, esta luz brilhante que ofuscava e nos insuflava de energia, esvai-se e é o pânico. A nossa identidade imiscui-se no vazio dos perdedores. Ela já não é mais. Somos relegados à nossa fragilidade, e o filamento periclitante avisa-nos que a Vida é este halo que caprichosamente nos guia. Tão frágil como esta pedra dura que aqui na praia pensa estar incólume, mas que, ao ribombar de uma vaga mais forte, é projectada pela corrente.

Duarte Olim




8 Comments:

At 4:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Gostei, já tornei a ler o texto e ja percebi melhor o 4º parágrafo.(afinal não sou assim tão ignorante) Parabéns , continua a escrever e "quiçá"ganhar um prémio. Sério . já pensas -te em escrever para o díário por exemplo??Pensa bem. Jinhos. e acredita que adoro ler o que escreves. vale a pena.

 
At 4:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

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At 4:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At 11:04 da tarde, Blogger clarinda said...

Olá, Duarte,
foi a segunda vez que vim ler este teu texto em que deambulas pelo tempo através da imagem no espelho. O tempo da descoberta da precariedade da vida. O que antes nos parecia resistente é afinal de uma fragilidade desconcertante.
Boa noite.

 
At 7:37 da tarde, Blogger Å®t Øf £övë said...

Muito bem escrito este texto.Muito enriquecedor.Gostei bastante de ler.
Abraço.

 
At 8:53 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Espetacular "gatinho" Duarte!
Parabéns! Você conseguiu retratar bem a precariedade da vida. Esse texto nos faz refletir o qão efêmera é a vida, mas que ainda assim a desperdiçamos com detalhes insignificantes, com brigas, guerras, violência, falta de amor.
Parabéns pela forma como escreve!
Que a Luz Divina ilumine sempre o seu caminhar.
Céu

 
At 10:47 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Mediante a escrita leve e solta, sentida e franca... que mais posso eu escrever... resta-me apenas o costumeiro incentivo, deves perseverar nesse à vontade para a escrita, a lâmpada é sem dúvida um estado de espirito... fragilizado , mas coerente que descreve os momentos menos bons que todos nós temos... é como se uma nuvem temporária nos assolasse a alegria. Felizmente o sol volta a raiar...
É sempre um prazer ler e reler os teus grandes momentos

Di...

 
At 6:23 da manhã, Blogger DT said...

Caro Duarte,

A mim também me apraz escrever sobre a efemeridade da vida. Na verdade, faço-o amiude. Talvez inspirado pela clepsidra de Pessanha que tão bem simboliza o piscar de olhos com que se leva uma vida, com todas as suas vicissitudes.

Belíssimo texto, os meus parabéns.

 

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