domingo, janeiro 23, 2005

A Casa dos Sorrisos


 Posted by Hello

Até à época, sempre tive a curiosidade de entender a disposição espacial das casas, dos prédios, a lógica do ordenamento urbano, e as arquitecturas inerentes às suas formas. Certo dia, o meu olhar foi invadido por uma fachada tão bela e envolvente, que despertei para algo impensável até então. Parei bruscamente, e decerto que foi indisfarçável o meu pasmo, perante o resplendor daquela cor, da alegria que emanava daquele prédio. Aquela fachada inebriante, meticulosamente cuidada, apelava ao meu olhar e extasiava-me. Dei por mim a sorrir instintivamente. Admito que a minha predisposição para esta descoberta, tenha influenciado o deleite e a forma como me arrebatou. São nestes momentos que nos apercebemos que, por vezes, quando vagueamos sozinhos por uma cidade, o nosso estado contemplativo eleva-se e a nossa sensibilidade apura-se para as pequenas coisas, pequenos nadas que, de outro modo, passariam despercebidos. Vacilei. Poderia o clique da minha máquina fotográfica, violar a magia daquela casa? A sua alma? Não! Pensei. Caso contrário, teriam sido tantas as violações que, a conotação daquela casa seria certamente outra, assumidamente menos abonatória.
Não, nunca imaginei que uma moradia tivesse sentimento; que um prédio exteriorizasse uma expressão própria, um estado de alma. Dei por mim à procura da melhor forma de caracterizar a expressividade que brotava daquela fachada. Olhei à volta, e nos contrastes, imaginei que as linhas que a definiam, eram como uns traços de um rosto de fisionomia própria. Contudo, aquele rosto sorria. Continuei a caminhar e na observação de outras casas e prédios, associei o desgaste, as oxidações que ressaltavam das fissuras, varandas e janelas, como lágrimas de uma expressão triste. Provinham de casas lúgubres, fachadas cuja arquitectura era indefinida, de contornos ilógicos. Noutras vi confusão, ansiedade. Na minha memória, vi algures no meu país, algumas fachadas igualmente belas, mas algumas recentes que expressavam terror, medo, total fealdade.
Retomei mais adiante a rua onde havia feito esta descoberta graciosa e aprazível. Curiosamente, notei que se encontrava ladeada por outras igualmente alegres e de rostos expressivos e acolhedores, e, questionei-me se porventura os moradores daquela casa tão bela teriam correspondência com a beleza que dali procedia. Seriam os seus habitantes, igualmente afáveis, sorridentes e calorosos? Deixei que a oportunidade o permitisse, passeando descontraidamente nas imediações. Deambulei na vizinhança, fazendo tempo, sempre à espreita de um fortuito morador, de uma casual agitação na porta. Passaram-se longos minutos, talvez horas. O crepúsculo descia, o frio era lancinante e, na inadaptação àquele gelo, fui forçado a abandonar aquele local sem que a dúvida fosse alguma vez desfeita.

Texto e Imagem: Duarte Olim

6 Comments:

At 11:21 da manhã, Blogger Lília Mata said...

Obrigada por consultar o meu blog. Estou a ler o seu e a gostar muito, a adorar. O reino das palavras é e será sempre maravilhoso. Obrigada,
Lília Mata, http://o-rabo-do-gato.blogspot.com

p.s. Agradeço a sugestão. É claro que quero falar também sobre esse tema; tenho diversas recolhas relacionadas com supersitições.

 
At 6:09 da tarde, Blogger musalia said...

Parabéns pela belissima imagem e texto! Também adoro cirandar pela cidade, observando as construções, as arquitecturas de várias épocas, é um prazer que me domina. E lã vou eu de nariz no ar, tentando "entrar" nas casas que observo. Imaginar como teriam sido as vidas de outroras, as pessoas que as povoaram...

beijinhos, Duarte.

 
At 9:20 da manhã, Blogger Estrela do mar said...

...tens razão...a casa tem algo de especial...e nós tantas e tantas vezes passamos por pequenas grandes coisas...e nem damos por isso...porque a agitação diária...não nos permite...

Um beijinhos*.

 
At 10:28 da tarde, Blogger clarinda said...

Olá, Duarte,
só hoje pude vir cá reler este texto para poder dizer alguma coisa.já vi que não escreves textos mais curtos e por isso só mesmo relendo
Animas as casas que te despertam a atenção e esperas que os moradores reflitam seja a fealdade seja a harmonia. E se de repente, após a longa espera estivesse tudo trocado na relação que esperavas casa/moradores, mudarias a visão do mundo?
Um beijinho

 
At 1:54 da manhã, Blogger Duarte said...

Olá Laerce,
Parece de propósito, mas o texto subsequente ao teu comentário, é ainda maior. É o meu estilo. Falta-me poder de síntese. Ou prefiro escrever mais, mas espaçado no tempo. Obrigado pelas tuas visitas pacientes. Em relação à questão que colocaste se a relação casa/moradores não correspondesse, daria maior importância ao aforismo que diz: "as aparências iludem", mas não mudaria a visão do mundo ;)
Beijinhos, volta sempre

 
At 6:06 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Obrigado por Blog intiresny

 

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