segunda-feira, abril 03, 2006

Até Sempre, Desfiladeiro


Foto tirada daqui

Entre montanhas, ao fundo do desfiladeiro, ergue-se um refúgio que amaina os ventos, protege das tempestades e medeia este vale abrupto, corroído por anos de passagens, carcomido por vicissitudes que a existência legou, expondo veias e rugas que as agruras da vida sulcaram na rocha. A arbitrariedade dos dias, por onde flui este rio refrescante, continuará a cursar profusamente, depurado pelas águas que, da montanha, rejuvenescem este recanto. O ar húmido que daqui evaporou refrescou-me o rosto e nutriu uma vegetação luxuriante que me adornou as margens. Nesta garganta oiço o sibilar do vento revolto, domado pelos promontórios que se desafiavam em altura.
Foram águas que livremente correram e desgastaram este material metamórfico. Moldaram-se vales na minha estrutura. Recebi aromas e regaram-se as margens verdes que me ladearam. A rocha dura, impenetrável, velou este éden de fragas que se elevaram para o céu. Pelo desfiladeiro escreveram-se palavras vadias, revoltadas. Inscreveram-se amores e desamores; poemas perdidos nas minhas memórias. Momentos retidos na contemplação dos dias, das gentes, dos lugares, alguns fragmentos da minha idiossincrasia de tudo. Ou de quase nada.
Do fundo deste desfiladeiro, no leito onde se gravaram as palavras, este rio de versos emergentes recolheu-se nos interstícios da rocha de uma das margens, e num processo natural lento, descobriu uma passagem subterrânea por onde começou a drenar, sulcando, paulatinamente, uma cavidade maior por onde se escoaram as águas. A escrita continuará a gravar-se no fundo do desfiladeiro, mas ficará encerrada nas grutas que o tempo sulcou. Subterrâneas e misteriosas como a minha alma.
Apesar de não a vermos, asseguro-vos que o seu fito é o mar. A imensidão que anseio, da cor do céu.
A todos os que passaram por este rio, a todos os que sentiram a natureza deste desfiladeiro e nele deixaram a sua presença, aos que elogiaram, aos que criticaram, aos que me leram simplesmente, um sincero agradecimento.
Tudo tem o seu fim, mas o desfiladeiro continuará a ser lido pelos que se aventuram na espeleologia… aos exploradores que perscrutam os meus afectos. Continuarei a ser um felizardo por ser lido por eles. Senti uma enorme satisfação por ter sido lido por todos vós.
Até um dia. Encontramo-nos no mar.

17 Comments:

At 3:10 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duarte,
Coube-me a mim a primazia das palavras neste cavar do rio dos substerrâneo da liberdade que, estou certa será!
Fica a saudade de passar por aqui e os desejos de um futuro radiante de êxitos!
Mil beijos e até sempre!

 
At 3:15 da tarde, Blogger clarinda said...

Duarte,

Confesso que tenho dificuldades em lidar com despedidas, isto é uma despedida. Não que te queira prender a um blogue, apesar do nome tão metafórico que lhe deste. Mas pensa, se as palavras vão continuar a brotar por que razão não podem vir à tona aqui? Deixa-as ser vadias e soltarem-se do leito onde as queres seguras, deixa-as ganhar asas.

Faças o que fizeres, sabes bem que compreendo, mas vou ter pena de não te ler.


Um beijinho

 
At 3:58 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não me cabe o direito de te interrogar acerca do porquê deste remate. Não me cabe julgar a decisão que tomaste. Mas estupidamente, talvez, tenho pena que te tenhas detido por aqui. Sobretudo com um texto como este. Tão intenso.
Ficaram coisas por dizer, Duarte, muitas delas por receio de reacções como as que se deram. Ficou, por exemplo, por dizer que cada crítica que te fiz foi autêntica e encorajadora, apesar de tudo: da forma como as fui fazendo, da forma como as foste entendendo.
Mas há muito tempo que o nosso tempo passou. Do meio do enleio que nos tornámos e nos tornou ausência, fica o abraço. De mar, como outrora nos confins, vigiados por um Neptuno rochoso.
Até sempre.

 
At 9:02 da manhã, Blogger Ana said...

Desfiladeiro onde me acolhi e onde bebi as águas frescas da montanha, a elas desejo a imensidão do mar. Só ele pode conter toda a beleza que aqui recolhi. Sentindo embora a tua falta, perdurarás na memória.
A saudade já começou a doer.
Um beijo, Duarte.

 
At 11:07 da manhã, Blogger musalia said...

Duarte,

já não vinha por aqui há um tempinho. deparo-me com a despedida! sei que tudo tem um fim, um dia destes será o meu, mas os amigos fazem-nos tanta falta!
no entanto, respeito a tua decisão. virei, de vez em quando, matar saudades...
beijos, com amizade.

 
At 10:49 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Entrei
olhei
admirei
li
senti
adorei

Gostei das águas fresquinhas nesse desfiladeiro.................pena que partas.

 
At 4:19 da tarde, Blogger lena said...

Duarte fui ao mar

queria ter-te sentido lá...

senti-te sempre aqui, mesmo que nada te diga, hoje senti saudade

ficam as tuas palavras gravadas...


beijos e um até já


lena

 
At 12:23 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Amigo Duarte

Deixo-te uma abraço do outro lado do Atlântico. O Desfiladeiro era uma das minhas referências na blogosfera. Recordá-lo-ei sempre.

Que encontres o caminho para esse mar que tanto te move.

Um abraço

Duarte Temtem

 
At 5:39 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A intensidade do texto deixa-nos um sentir de melancolia. Tem um tom de despedida intenso que vibra e flui a cada palavra.Cantinho prazeroso este , recheado de emoções . vai deixar um vazio por preencher :)

Deixa-te corroer pela saudade de todos aqueles que tem lêm com prazer... e não nos prives da tua poesia... do teu dom especial...

beijo
Di...

p.s- ( agora sim, o comentário no texto correcto) :)...

 
At 12:59 da manhã, Blogger Memória transparente said...

A escrita está em ti, um dia voltarás aqui.

Obrigada, por tudo que aqui partilhaste.

Até sempre.

Beijinhos.

 
At 9:48 da tarde, Blogger Madeira Inside said...

Olá DEsfiladeiro!!!

Desejo-te tudo de bom!!!
Até um dia....
....encontramo-nos no mar!

Bjinhos

 
At 3:02 da tarde, Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Querido Duarte

Como lamento a tua partida :((

Mas o "Desfiladeiro" respira através de ti... assim o sinto - cada vez que aqui venho.

Fica bem

Um grande beijo

 
At 11:16 da manhã, Blogger Joaquim Nobre (JJ©N) said...

Obrigado pela visita!
Parece que cheguei no fim...
Mas tenho tempo ainda para apreciar as tuas palavras e as imagens deslumbrantes da nossa pérola Atlântica!!!

Abraço...

 
At 4:55 da tarde, Blogger luisa lourenço said...

Olá Duarte!
Logo dou uma leitura mais atenta pelo teu blog, que muito me supreendeu! Escrevo-te só para te mandar um grande beijinho, agora que o João Moreira me deu este teu contacto. Mais logo volto aqui a espreitar, mas agora tenho de ir buscar os reguilas à escola.

Beijinhos, Luísa

 
At 1:20 da manhã, Blogger Sérgio A. Correia said...

Espero que volte em breve. Um abraço.

 
At 5:23 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não há duvida de que se viaja imenso ao ler este texto...e que bom que é voar...
Abraço
Valeria Mendez

 
At 4:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Como não tenho outro meio de o cumprimentar, por aqui passei para lhe desejar que a Vida seja para Si, sempre, o que você quizer! Sabe sempre bem passar por aqui e ler algumas das suas palavras...
Valeria Mendez

 

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