quinta-feira, março 09, 2006

9 de Março

Imerso no calor uterino, o meu mundo era molhado, de viscosidade inodora. Privado da contemplação de paisagens, limitava-me às cores dos meus sonhos. Sonhava com uma expedição. Entretanto, revolvia-me nas entranhas dum mundo hermético, de paredes macias que amorteciam as pancadas dos meus crescentes espasmos.
Com o decorrer do tempo, ia ganhando consciência de uma vida: a minha! Sentia-me a levitar, como se fosse levado por uma bailarina. A leveza que me sustinha, embalava-me, mas sentia o meu universo limitado. Precisava descobrir. Soerguer-me deste leito uterino, e voar pelo mundo. Precisava ampliar os horizontes, conquistar afectos, descobrir a vida. Tentar fazer a distinção entre o que era supérfluo e o essencial. Passei a ouvir sons indiscerníveis.
Cresci vagarosamente, em reverência com o espaço diminuto onde me submergia.
Uma liberdade sufocante, mas que, estranhamente, me fazia sentir seguro.
O Inverno despedia-se, os pássaros iniciavam o rodopio, antecipando a Primavera. Apesar de ainda não se comemorar como agora, passou o dia da mulher. Noite adentro, eu dava sinais de inquietação, querendo saltar para outra dimensão. Numa cruzada rumo ao desconhecido. Enchi-me de medo, uma ansiedade que contive por aceitar com serenidade as contrariedades.
A madrugada de Inverno tardava, e senti o meu mundo comprimir-se. Tinha chegado a hora de me lançar na expedição da vida. Enchi-me da coragem que não costumo revelar, e deixei-me impelir para o desconhecido.
Na quietude da noite, num lugar alcandorado da cidade do Funchal, ouviu-se, numa divisão incerta, um bebé que chorava compulsivamente. Perscrutava em seu redor, olhando com espanto para tudo, mas ansiando um colo. Um apelo inato a quem, durante aquele período, embalou o embrião rumo a este mistério.
Relembro na memória infinda, como deve ter sido acolhedora e comovente a sensação de me recostar no colo materno. Aquele que me velou no crescer e me orientou para esta missão vida, tantas vezes ininteligível. O mistério prossegue, e sinto um desejo sôfrego de viver mais. Amar. Sonharei um dia com outra dimensão. Agora quero ficar aqui, sentir a poesia fluir no meu corpo. À minha volta, tudo ainda permanece secreto. À medida que pareço destrinçar uma chave do enigma, mais intrincado ele me surge. É isto que me cativa e me faz amar a vida. E são os afectos que lhe dão todo o sentido. Ou não será este o começo da decifração de um código que responda às mitológicas perguntas: De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?

7 Comments:

At 8:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

muito bem
gostei imenso do texto e tem muito significado. Otimo

muitas felicidades e muitos anos de vida
Beijinhos da titia IRENE

 
At 1:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Éum bom texto.

 
At 10:59 da tarde, Blogger Helena said...

muito bonito! até parecia sentir os mesmos passos...que todos nós vivemos!a vida é um mistério!

 
At 7:28 da tarde, Blogger lena said...

excelente texto

melhor tudo quanto escreves é realmente muito bom, ler-te é sentir cada momento, caminhar em cima dos teus passos e sentir-te

beijinhos

lena

 
At 5:23 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Amiguinho Duarte!
Tenho gostado muito de tudo o que tens escrito e faz-me sentir sempre bem, tenho saudades das nossas conversas e sempre que posso entro no teu "desfiladeiro" de emoções. Como sempre cativante! Muitos Parabéns atrasados! Um beijinho grande!

 
At 3:31 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duarte,
Poderia ser uma alegoria, mas também interrogações de quem vive e sente a um nível invulgar, quando o que nos cerca não se encaixa nos nossos sentimentos e somos obrigados a criar mundos...se não estivesse fora de tempo, juntava-me ao coro

 
At 9:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Ola Duarte,

Que lindo! sobretudo para mim, porque dentro de pouco o pequeno passageiro que esta en mim vai sentir os mesmos sentimentos!
Gostei muito, parabens!

Basia

 

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