quarta-feira, janeiro 12, 2005

O Basalto da Ilha


 Posted by Hello

Era uma rocha sólida, negra, espessa, cujo negrume não fazia ricochete à luz. Era o basalto, nessa sua dignidade, essa rocha que orla(va) a ilha: forte, resistente e inexpugnável. As suas formas eram diversas, influenciadas pela sua génese, e pela acção dos fenómenos erosivos. Junto à costa, emergia em ilhotas; noutros casos o seu surgimento ficava à mercê dos caprichos das marés. Formava outrora o litoral de uma ilha vulcânica e a sua coloração na paisagem, permitia que a transição do azul do mar, para o verde da montanha, se fizesse de forma harmoniosa.
Na fisionomia litoral, ele rareia, e tem sido ultrajado e substituído por fastidiosas e agressivas plataformas, inestéticas, grosseiramente implantadas, constituídas por betão. Estas estruturas ostentam faces que roçam a tirania e fealdade de quem as concebeu, pela avareza, pela mentira. A sua cor, insípida, agride, mitiga o belo de forma impiedosa.
Foi um dia que a tirania dos imbecis, com a ajuda resoluta da tecnologia, foi corroendo, perfurando, soterrando o basalto. Arquitectou-se avulso, de modo indigesto e ardilosamente os imbecis defendiam que se devia alterar para melhorar, permitir acessos, e mais uma panóplia de argumentos fanhosos, insidiosos e malévolos. Dirão que o basalto possui a cor das trevas. Cor medonha, quiçá!? Mas assim como este manto negro protege a costa de intempéries e do mar revolto, da mesma forma as trevas ocultam os indefesos nas noites onde o perigo espreita.
Verões passaram em que o som do mar substituiu-se por ruídos de máquinas, que nem serenavam as aves marítimas que, às falésias, vinham nidificar. Esta acção revelou-se assombrosa, e os revoltosos com tamanha destruição, sentiam-se impotentes para contrariar o poder da maquinaria do Homem Moderno. Eram acusados de retrógados, pasme-se!
Que saudade me consome quando revejo imagens arquivadas em minha memória, daquele litoral deliciosamente recortado, onde pontuava salpicos de pedras basálticas, que congeminavam o mar à terra, e a esta última protegiam. Aqueles seixos que ao embate das ondas, retiniam, e revolviam-se com estrépito no recuar da água.
Que vergonha deparar-me com essa expressão vossa, visitantes de agora, contraposta com os de outrora, que, no seu deleite, não disfarçavam um semblante embelezado pela natureza límpida que, em suas faces, tão belas paisagens espelhavam.
É tarde, mas o mesmo mar continua a atingir a costa, melancólico, manchado, enconjurado. Tal como este basalto que, com bonomia me observa, mas que já não consegue acender-me a alma de esperança, essa que me caracterizava outrora.

Texto e Imagem: Duarte Olim

3 Comments:

At 12:12 da manhã, Blogger clarinda said...

Boa noite Duarte

A diferença entre o passado e o presente vista nos lugares e nas coisas que amamos causa muitas vezes mágoa e tristeza. Ficamos apenas com as memórias.

 
At 7:19 da tarde, Blogger BlueShell said...

Olha, nunca aqui tinha vindo mas confesso que fiquei muito bem impressionada. Gostei e voltarei. BShell

 
At 3:21 da manhã, Blogger DT said...

Caro Duarte,

Deixaste um comentário no meu blog e aproveitei para visitar o teu. Dou-te desde já os meus sinceros parabéns, escreves muito, mas mesmo muito bem!! Bela leitura me trouxe o teu blog.

Despeço-me com cordiais saudações

 

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