segunda-feira, outubro 24, 2005

O Reverso da Ganância

Já ninguém se ilude de que o planeta resvala para a desordem. A esperança que esta derrocada seja reversível, acomete apenas as mentes mais optimistas e bafejadas pela fé. O comunidade científica, não obstante os alertas insistentes de fundamentação irrefutável, continua a ver os seus desígnios relegados para o esquecimento, porque, a prioridade é atingirem-se metas económicas pré-estabelecidas, expectáveis para se manterem sadios os compromissos obscurantistas.
Até quando continuaremos a olhar para o planeta com desdém, a extorquir-lhe as riquezas de forma sôfrega, sem respeitarmos o equilíbrio que lhe confere a natureza? Até quando os nossos caprichos deverão ser satisfeitos à custa do ambiente, delapidando a natureza e todo o património do qual somos legítimos legatários? Serão as gerações vindouras, enteadas desta herança, proscritos do mundo que terão de se submeter às provações que resultam dos nossos caprichos mais vis e avarentos? Ufana civilização a nossa! A revolta do planeta opera-se. O homem, insciente da sua pequenez, devassa tudo sob o pretexto de enriquecer. Explora insustentavelmente os recursos, esgota a sua imaginação na ânsia de um conforto que continua a dissociá-lo da sua verdadeira essência com o cosmos. Distancia-o da sua condição mais telúrica. A plutocracia ainda mantém a sua chancela estatutária na sociedade actual.
À medida que grassa a destruição da natureza, consubstanciada na exploração maciça de florestas, na exploração desmesurada de recursos e na impunidade atroz que faz persistirem indústrias poluentes – impudicamente subjugadas aos interesses de lobbies económicos –, continuarão a libertar-se pragas, epidemias, doenças e a anátema resultante deste saque, ricocheteia violentamente contra o planeta. A dinâmica da natureza permite manter em equilíbrio estes agentes que, fazendo parte de uma harmonia natural, são inofensivos e necessários à dinâmica dos ecossistemas. Porém, os ecossistemas naturais encerram no seu interior milhões de vírus letais, bactérias perigosas e outros agentes nocivos. Contudo, estes agentes apenas se tornarão potencialmente perigosos, na directa medida em que destruirmos a natureza e se explorarem os recursos oriundos das florestas, rompendo com este equilíbrio e promovendo o desencadear de variantes virais (e outras), que se “revoltam” contra o Homem, dizimando populações. Nada acontece por acaso e as ameaças pandémicas e epidémicas resultam deste efeito boomerang. A rapidez com que estes fenómenos se multiplicam e ameaçam a Humanidade, é desafiada de forma risível pela ciência. Brincamos com o mundo, ele riposta, jogando connosco. E fá-lo com severidade, irado. As alterações climáticas aceleram a proliferação de epidemias, pois o aquecimento global permite a migração de agentes patogénicos para latitudes e cotas até então impensáveis. Os vectores desses focos de doenças são inúmeros. Estamos tão susceptíveis a eles, tal como estamos vulneráveis ao terrorismo. O turbilhão de consequências é galopante e os esforços para combater estes efeitos, são dantescos, tal é o intrincado de pestes que emergem recorrentemente. O mundo deixou de dar meros sinais. A revolução consuma-se. Já nada será como dantes. As alterações climáticas são cada vez mais frequentes e inopinadas. Atingem níveis cada vez mais catastróficos e os seus efeitos são fatídicos. Prevêem-se cenários apocalípticos, cataclismos inimagináveis. Mas, pese embora estes sinais, continuamos a vacilar na adopção de sérias e urgentes medidas cautelares de forma a atenuar estes efeitos e iniciar um processo de mudança que faça a inflexão desta situação. Continuamos reféns perniciosos do dinheiro. A obstinação doentia pelo consumismo é a nossa própria sepultura.

6 Comments:

At 11:39 da manhã, Blogger clarinda said...

Olá Duarte,

No filme Doutor Estranho Amor, a cena final é um cowboy montado numa bomba atómica a despenhar-se sobre a terra. A inconsciência dessa personagem é a inconsciência de todos, face ao que nos espera.

Um beijinho

 
At 11:45 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Ao contrário do que dizia o poeta, hoje parece ser o pesadelo (em vez do sonho) a comandar a nossa vida... tudo porque, como muito bem dizes, somos escravos do dinheiro. Bjs

 
At 1:42 da tarde, Blogger Lília Mata said...

Olá Duarte,

finalmente consegui dar com o jeito de meter links no meu modesto blog e já lá estás.
Tenho saudades dos teus comentátios. Aperece.
http://o-rabo-do-gato.blogspot.com

 
At 11:13 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Olá Duarte,
Já tinha saudades de o ler.
Vim cá ontem, mas a pressa tolheu-me os dedos. Regresso agora com mais calma.
Eis aqui um manifesto contra a indolência e cumplicidade na destruição do mundo e do próprio ser humano a que o homem está consagrado hoje em dia. Vou pedir-lhe que me empreste o texto para o ler aos meus alunos. A excelência é sua. A habitual.
Concordo inteiramente com o sentido deste texto. Estamos cada vez mais numa sociedade de sentir e pensar muito apagados. Queremos o “já e agora” e esquecemo-nos do ambiente, da dignidade, da honra, da consideração e respeito devidos ao próximo. Num “salve-se quem puder” emergimos à luz blindados de armaduras onde a palavra atacar e destruir é a primeira. Esquecemo-nos que amanhã serão os nossos próprios filhos e netos a pagar a “factura” deste nosso enorme desdém.
Bem haja pelo magnífico texto e sempre, mas sempre, inteligente, excelso e racional sentir.
Beijinhos.

 
At 4:41 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Querido Duarte,

Só agora consegui ler com tempo o teu delicioso texto e só posso dizer-te que adorei!
Sabes, tinha saudades de ler esta tua prosa cheia de garra com a qual defendes os teus ideais e lanças a "pedra no charco".
Os poemas também adoro ler... mas por outros motivos. ;)

Um beijo,
*** ****

 
At 2:40 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Até quando?! Até quando esta ganância que leva tudo à frente. Bem elaborado este artigo. Beijinhos.

 

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