segunda-feira, setembro 10, 2007

Grandes Músicas


Foto tirada daqui

Já o crepúsculo tomava o entardecer, enquanto eu, rendido pelo cansaço, regressava do desporto habitual; fui apanhado pela inusitada sonoridade de uma orquestra clássica distante, vertendo violinos e ressoando melodia em profusão. Já avistava a minha carripana, quando, a poucos metros dela, noutra viatura, localizei a fonte daquele delírio sinfónico. Detrás dos vidros descidos, vi um jovem no interior, compenetrado na música. Absorto, nem deu pela minha aproximação, tão-pouco a de outras que por ali erravam. Perscrutei recatadamente em busca de uma companhia feminina ao seu lado, a quem ele pudesse estar a apresentar a magia erudita dos grandes clássicos, forma de sedução legítima e original, todavia, apercebi-me dele sozinho. Seduzia-se pela música e à música. Retemperei do cansaço regando-me de água abundante, enquanto o compasso da orquestra, ora aligeirava, ora recrudescia. Apetecia-me aproximar do rapaz e pedir-lhe elementos sobre a obra, tal era o aprazimento. Porém, detive-me na sensatez de não perturbar a audição. O deleite da música era fruído na perfeição pelo moço, mas a pouca distância, o comprazimento atingia-me, aliado ao saciar que avultados goles faziam na reposição da hidratação perdida. Ali ao lado, aquele a quem muitos rotulariam de cromo, era motivo da minha leda feição. É rejuvenescedor quando me deparo com quem quebre a monotonia e os estereótipos vigentes, estes que nos desumanizam e nos obsequiam com a estupidificação.
A música era difundida com pujança. Ao longe, a orquestra era azul, dela ecoando uma intensidade espelhada de mar, melodiosa e púdica. António Cartaxo, autor do programa radiofónico “grandes músicas”, faria desta visão, um relance narrativo de erudição apurada, com adjectivação q.b. para nos arrebatar mais uma vez com os grandes clássicos e compositores, e suas sapientes histórias. Transcreveria a conjuntura deste cenário como um apelo de violinos que varria o crepúsculo, aludindo ao troar dos tambores, como o repto epopeico da música clássica, anunciando o seu espaço, enquanto um maestro invisível migrava a cada mente passante, alertando para a música, a verdadeira mestria musical, aquela que não tem definição, mas que não precisa ser explicada. Aquela que rivaliza e não tem expressão em muita sonoridade que se denomina de música e não o é. Faltou-me o domínio do género para identificar a composição e o seu autor, careci ainda de conhecimento musical para localizar a sinfónica e o condutor que, em simbiose, enfeitiçavam as horas tardias de um ocaso semanal; o jovem, à revelia do tempo e das reacções da redondeza, por motivos que para aqui não são chamados, espraiava o olhar para o horizonte, e embevecia-se de mar, à mercê dos efeitos terapêuticos dos violinos crepusculares.

2 Comments:

At 10:49 da tarde, Blogger Ana Prado said...

E quem ouve assim precisará de mais alguma coisa ?

 
At 6:48 da tarde, Blogger tb said...

Uma das minhas rúbricas favoritas, também!
Muito viva e rica cheia de momentos que nos levam a transpor a barreira física e nos transportam para dentro da tua "história".
Beijinhos

 

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