quinta-feira, maio 26, 2011

São Petersburgo

Junho, 2009
Obstinado e convicto do seu desígnio, Pedro, o Grande, desafiou os peritos que asseveravam que esta zona era inóspita e imprópria para ser urbanizada. Contrariado, ousando os ditames dos consultores, ordenou, por imposição régia, que se projectasse a cidade que, em seu tributo, muito mais tarde viria a ser chamada de São Petersburgo. Fê-lo por teimosia, edificando-a numa zona húmida, alagada, pantanosa, exposta à severidade da nortada siberiana, rodeada por água da foz do Neva, do Golfo da Finlândia e dos generosos lagos dos arrabaldes. Do capricho megalómano, mundano, quiçá pueril, a urbe foi projectada como cidade, sem ter passado pela fase de lugarejo, povoado, aldeia ou vila. Acompanhou a excentricidade do Czar, mas o seu plano astuto advinha da necessidade de criar uma cidade portuária, estrategicamente situada do ponto de vista geográfico que permitiria o domínio do mar do norte e ainda asseguraria o acesso até ao mar negro através do rio Neva, ao longo do extenso Volga. Este circuito por rio desenvolveria o comércio e potenciaria a abertura do país para o mundo, colocando a Rússia na rota do comércio.
A vida boémia e desvairada de Pedro prodigalizou contactos com estrangeiros errantes, artistas, arquitectos, comerciantes e outros europeus, vindo a influenciar o futuro Czar no desenvolvimento da navegação através da aprendizagem com a escola holandesa. Foi introduzida a arquitectura europeia, os jardins geométricos franceses, a arte barroca, arte nova, arte neo-clássica, entre outras. O Czar cosmopolita, não obstante ter renegado Moscovo, destronando-a de capital de um império, paradoxalmente, é nessa metrópole que a ele lhe é prestado o maior tributo, através de uma evocação em forma de estátua. A de São Petersburgo é uma estátua equestre, na qual o Czar afronta os mares e o norte impiedoso. Quanto à antiga Leninegrado, esta está rodeada por campos e bosques extensos, irrigados generosamente por água, exibindo alguns palácios sumptuosos, de jardins amplos que remontam a esse período próspero em que a monarquia havia assentado arraiais na urbe e usava o Palácio de Inverno como a sua residência oficial. Actualmente, além de ser um dos mais importantes monumentos da cidade, é palco de arte, guardando um dos mais importantes espólios de arte do mundo, no museu conhecido pelo Hermitage. A praça, defronte deste megalómano palácio, é aquela onde ocorrem os maiores eventos festivos que São Petersburgo acolhe, como a celebração do dia da cidade que presenciei, em pleno período das noites brancas, para que a penumbra não impeça que o russo se evada numa azoada de festejos, bem regados com álcool e com boçalidade incompreensível, que o burlesco explicará, mas que o Palácio de Inverno confundirá com o Verão russo, ou um simples destempero da alma eslava, aclamando o Sol tardio.