sexta-feira, junho 03, 2011

Arrebatamento

Istambul, Novembro, 2007

A impotência tomou-me. Não há máquina que capte este rodopio, o insólito que tresanda em meu redor. Desisti de registar com fotografias, detive-me numa amurada. Basta parar e observar: feições, maneiras, trejeitos, indumentárias, aparos de cabelo, o pudor da mulher, algumas insinuações de tirania machista, tudo me toma neste assombro colossal. A Ásia para lá da ponte e aqui, do lado cá, qual Europa! Esta antípoda cruza uma mistela de raças e crenças, de condutas e autenticidades que o mundo formatou noutras geografias. Em pregões oiço vendedores de rua, os outros, inaudíveis na distância, esgrimem argumentos imaginativos, outros fazem-no de forma ostensiva, quiçá compulsiva… invadem-nos, bruscamente respeitam-nos. Intrigam-se com o meu estanciar, devia imiscuir-me naquele bulício por parecer um deles. Mas, na verdade não o sou. Todavia, estou aqui para sê-lo. O mar peninsular reúne na sua margem um coro de pescadores que cobiçam a abundância de tempos idos. Talvez o que sobeje da fama. Fios entrelaçam-se, emaranham-se as canas em risque à espera do incauto. Fede a peixe, sardinhas não serão. O adocicado do ar transporta-me para outros mundos. Talvez me devolva a origem, o berço da civilização. Atrás, quase numa pose provocatória, ergue-se uma imponente mesquita. Será sacrilégio esta promiscuidade da usura com a fé? Levanto-me e vou na direcção do sagrado, embora seguro de que a minha espiritualidade não reside em templos nem nos dogmas de uma religião. Caminho enfeitiçado pela magia, envolto pelo frenesim que tem atavismos de outras eras. Esta máquina do tempo abalroou-me e mal tive tempo de me adaptar… Quase me sinto trôpego no andar, perplexo. Fui como que sugado impiedosamente por uma lamparina mágica otomana, transportando-me para um período indiscernível da história. A visita à mesquita obrigar-me-á a descalçar. Quero sentir a macieza da carpete persa nos meus pés, para que com essa percepção sensorial, acredite que tudo isto em volta é verosímil. Que depure esta nebulosa de incredulidade que me varreu a realidade, e não me apresente sultões sanguinários de saibre em riste.

6 Comments:

At 1:21 da manhã, Blogger clarinda said...

Olá Duarte! há muito tempo que não venho aqui. Encontro uma escrita e uma cidade sempre novas e resistentes ao tempo.

Bj

 
At 12:31 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duarte!
Antes que perca esta oportunidade, e nunca mais possa faze-lo, vaticinada por algum desígnio, imprevisível, arquitectado por esse mundo de insondáveis arcanos… queria dizer-te o seguinte:

Parabéns pelos artigos que escreves no teu Blog! Toda a sinopse que fazes dos lugares por onde passaste, são uma autêntica composição poética, onde não faltam a harmonia, a eloquência, a verbosidade!... Escreves estas odes, tanto em poesia como em prosa, não apenas porque os teus olhos se tenham deleitado na contemplação do que viste, mas porque viste, através dos olhos, tudo o que te enleou a alma !... Nunca deixes de escrever. Seria cruel não partilhares esse teu dom inefável …

Bj
Filomena Gomes Camacho
Londres, 2011

 
At 7:22 da tarde, Blogger Fallen Angel said...

Passei por cá, nao só pra ler e ficar a conhecer partes do mundo que de momento apenas sonho em poder visitar um dia, mas tambem para deixar te um olá. Espero que estejas bem :)

 
At 9:47 da manhã, Anonymous Anónimo said...

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