terça-feira, novembro 29, 2005

Penha d' Águia



Teimosamente ergueu-se
À revelia de erupções e vulcões
No precipício do oceano,
Imprecando juras ao céu
Por ousadia tão rebelde
Antípoda das serras interiores
Desta elevação súbita, aprumada
Espraiando o olhar no azulino horizonte
Fazendo vénia ao mar,
E de lá, ondas incessantes
Portadoras de segredos,
Embatem nas fajãs das suas costas proibidas
Num refrigério marinho
Temeroso e em desalinho.

Abrupta penha,
Desafiando a ira das ondas
Que a seus pés,
Corroem, ribombam contra a rocha dura
Fazendo ecoar as cantigas do mar
Os idílios das sereias,
Esta elevação basáltica, descomunal
Berço de cagarras, grasnando na noite
Sobranceria de arbustos,
Abrigo dos mitos e lendas
Outras histórias e desventuras.

Promontório rachado,
Fendido por um vale abrupto
Que estrangula o medo
Velando na noite, espantando o perigo
Desvela a sombra das trevas
Na resplandecente aurora matinal
Da luz que sulca vida
Nos interstícios das suas rugas
Musgos, líquenes…
Matizes verdejantes
Pinceladas nas arribas,
Pinhais virados para o céu
Fios de aço na despedida.

D. Sebastião foragido,
Despojou a espada com fúria
Cravada no cume da Penha d’Águia,
Resiste nesta lonjura,
Memórias…
Uma epopeia…
Cruzada pueril e incauta
Refugiou neste penhasco
A alma de guerreiro,
Repousa monarca, no remanso deste litoral
Perdido de Alcácer Quibir
De memórias infindas
Oh Pátria sem fim!
De teu rei, neste rochedo, enfim…

À escuta no topo
Intercepta o mar volátil,
De revolta ondulação
Salgado, depurado pelos crivos celestes,
Revertendo das suas encostas
Véus de água cristalina…
De uma alvura doce
E da arriba marinha,
Quedam rochas, desprende o basalto
Falésias que abrigam aves
Fajãs de fino recorte.

Voo real,
Ou coruja nocturna de escusos presságios
Do topo da penha,
Rivaliza com a imensidão do mar…
Encerra memórias
Agoiros e esconjuros
Do povo supersticioso,
Que nas encostas do vale
Moureja sem folga
Lavrando a terra,
Debaixo da protecção da rocha
Virada para o firmamento,
Ao som da alma do vento.

Foto e poema: Duarte Olim

10 Comments:

At 4:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Querido Duarte,

A poesia corre-te nas veias e o amor que sentes pela natureza e pela história, e muito particularmente pela Madeira, brota do teu ser de forma tão natural que contagia de forma radiosa quem te lê. :)

Beijos,
*** ****

 
At 5:13 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Olá Duarte,
O que dizer mais se no que quer que toca tudo se transforma em magníficos poemas...
Fui ver o link que nos deu (na foto) e adorei as imagens daí.
Muito lindo!
Beijinhos.

 
At 7:34 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duarte, mesmo sem imagem ao ler este teu trabalho consegui visualizar ideológicamente toda a paisagem contida no poema. Bom trabalho poetico/descritivo. Beijinho.

 
At 10:15 da manhã, Blogger DT said...

Amigo Duarte

A inspiração chegou em força! Incrível a maneira como agarras a natureza para a tornar ainda mais bela.
Este teu espaço é uma viagem a casa pelo oceano das recordações. E por isso agradeço-te!

Abraço

 
At 3:07 da manhã, Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Olá Duarte

Bravo!

Neste poema, cheio de beleza – as tuas palavras dão as formas da perfeição.

Penha d'Águia, um rochedo imponente que separa o Porto da Cruz do Faial. Chegar lá acima será um verdadeiro desafio, uma vez que o caminho é bastante íngreme.
Mas o canto dos pássaros é único.
As vistas a partir da Penha d’Águia são absolutamente deslumbrantes!

São algumas das imagens deste sitio maravilhoso, que esculpiste com uma poesia belíssima.

Um beijo

 
At 3:23 da tarde, Blogger clarinda said...

Olá Duarte,

Poema descritivo cheio de atributos lendários e heróicos acerca de um lugar dessa ilha afortunada que sobrevive às ilhas imaginárias da Mensagem de Pessoa.

Um beijinho

 
At 9:51 da manhã, Blogger musalia said...

poema. são as palavras que dispões ao sabor desse mar lavrando as costas da ilha. solitário sentir de quem recorda idades de ouro.

beijinhos :)

 
At 3:50 da tarde, Blogger A. Narciso said...

Um aniversário ilustrado por mais um excelente poema. Que o Desfiladeiro conte muitos.
Abraço

 
At 11:13 da tarde, Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Duarte

Passei.......... dei um OLÁ :) e deixei

Um beijo

Bfs

 
At 5:20 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Duarte
Sempre que posso, passo e fico ouvindo a poesia como se de uma sinfonia se tratasse....parabéns pois todas as palavras que eu aqui possa escrever perdem significado perante tanta mestria em transformar as emoções em palavras escritas....
Beijinho

 

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