sábado, dezembro 31, 2005

Alma de Nada

Esta noite não dormi. Peguei num papel e comecei a rascunhar uma carta. Fi-lo para um destinatário incerto: para a minha infelicidade, ou para ninguém. A morada? Desconhecida. Talvez para o Senhor Ninguém dentro de mim. Esse interior de nada, esvaziado de tudo. De sonhos, de projectos e ambições. Restou nada. Dentro não está ninguém. A silhueta que me configura um corpo, é uma tez ressequida que sobeja do nada. Petrificou em reacção com o exterior, por esse nada ser tão nada em relação à alma do mundo. É a química inverosímil do sentir.
Vogo à mercê do tempo. Da leve brisa. A nada resisto. Derivo na crista das ondas de um ciclone depressivo. Que o vento me levasse para longe, em busca da essência perdida. Mas onde encontrá-la? Resta esta desoladora solidão. Nada de nada. Ao longe o mar. Queria ir ao seu encontro, mas o mar não gostaria de me ver assim. Sei que lá, inalava a maresia; alagava-me de água salgada. Depurava o meu nada. Enchia-me de mar. Contemplava o mundo com outros olhos.
Olhos de água do mar. Azuis como o céu.

7 Comments:

At 3:21 da tarde, Blogger clarinda said...

Olá Duarte,

O mar rejuvenesce o corpo e o espírito. Há dias e noites assim. Conseguir dizer o que se sente permite o distanciamento de nós que é como quem diz permite o distanciamento da dor.

Acontece que estás a tornar a tua escrita muito mais densa. Acontece que estás a revelar-te mais forte e seguro. Acompanho-te atenta.


Um beijinho e muito boas entradas e Bom Ano de 2006!

 
At 4:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Após um quase tudo que foi nada, eis-nos neste nada que é o nada em que nos tornámos. Ressequidos de ternura, virámo-nos costas. Restam as palavras,as minhas, longe das acusações brejeiras por que foram tomadas, ei-las que se levantam para dizer a beleza e a densidade do teu texto.

Um bom ano.

 
At 5:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"Esta noite não dormi. Peguei num papel e comecei a rascunhar...", a procura do infinito, do teu infinito... do infinito do mundo... Essa procura que acompanhará sempre o Poeta. Gostei de sentir da leitura a intensidade das tuas palavras.
Duarte, bom inicio de ano.

 
At 11:11 da manhã, Blogger musalia said...

como se pode perder a essência de nós se é o que temos de inalterável não sujeito a mutações?
a solidão terá o condão de clarificar afectos, depurar vazios. será, talvez, uma forma de preparar novos preenchimentos.
não sonhas, perdeste essa capacidade? não creio, Duarte, porque o desejo de mar é o prório sonho. mergulhar em osmose perfeita no azul, infinito, de mar e céu.
beijinhos, um ano de esperança :)

 
At 12:33 da manhã, Blogger Ana said...

Um nada de nada cheio do infinito do mar e do céu. A beleza que uma insónia pode gerar.
Um beijo e votos de um bom ano, Duarte.

 
At 10:16 da manhã, Blogger Maria Azenha said...

extraordinário texto.
e...
" O que tu vês é belo; mais belo o que suspeitas; e o que ignoras muito mais belo ainda.", de Raul Brandão.


***maat

 
At 11:37 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Há um quê de sal amargo no canto dos seus lábios. Uma espécie de palavra muito densa, não dita, maldita e que lhe afoga a alma.
Este poema em forma de prosa contem na essência a alma de um grande poeta que nos faz migrar ao seu interior. Quiçá sentido uma aberta de mágoa, pois numa alma como a sua, existe um grande guerreiro. Um grande Homem! Tão grande quanto o mar cujos olhos avista… não ao longe. Junto ao coração.
Beijinhos.

 

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