terça-feira, janeiro 03, 2006

Elo Paternal

É bom sentir-te tão próximo,
Pressentir os teus pensamentos
O ressoar do silêncio que emanas
Enquanto o frio lá fora, varre a maledicência
E, por esta parede rarefeita
Saber-te no regaço
Para lá do passado,
Nesta ubíqua presença.

Nesse repouso sereno,
Estranho-me assim perto, distante
Imerso na densa nostalgia
Recambiado para esta cama pequena, fria,
De reencontro com a ingenuidade pura
Do menino dos sonhos de outrora
Hoje homem, mesclado de criança sonhadora.

Vejo brinquedos, bonecos que moldei
Partidos, decepados…
Projectos de noites, de criação primordial
O pó nos interstícios da saudade
E tu, repetidamente
Repousas na simplicidade do que és
No ocaso do tempo que te apurou
Por sadia metamorfose
Estado que a bonança serenou.

Pai,
Dedicada canção a minha,
Tentativa sacrílega de enaltecer o Ser
Velo-te reverente
Neste esquadrinhar de leitos tão próximos,
Neste revisitar de matizes de ontem
Que se toldam de escuro
Do crepúsculo da vida à espreita,
Enquanto na inquietação
Evoco esta saudade.

Adormeço suspenso no passado,
No tilintar da chuva que reconheço
De quedar igual ao de ontem
Inalo o cheiro que não arejou no tempo
De odores congelados
Oiço o frémito natalício
Nas explosões das bombas de paz
Esparsas,
E cubro o meu corpo moribundo
Sob mantas que me cobriram na alvorada.

Duarte Olim

7 Comments:

At 11:06 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Venho por cá poucas vezes (demasiado poucas eu sei!). E cada vez que por cá passo, fico assim estarrecida, sem palavras para classificar o quanto a tua escrita me deixa sensibilizada... Um excelente 2006. E tenho de arranjar mais tempo para passar por cá. Bjs

 
At 1:45 da tarde, Blogger clarinda said...

Duarte,

O espaço da memória e da saudade, imagens, sons e cores do passado e do presente, sem querer saber muito bem onde acaba um e começa outro.

Um beijinho

 
At 3:12 da tarde, Blogger Caracolinha said...

De facto, a escrita, e mais ainda a boa escrita, pode ser altamente reconfortante ... eu que o diga depois de ler este teu espectacular texto ...

Obrigada ...

Beijinho encaracolado :)

 
At 5:40 da tarde, Blogger DT said...

Amigo Duarte

Após um período ausente (período esse sempre coincidente com as férias), regresso ao quotidiano insone.

Vejo que tens vários posts que ainda não li, e prometo voltar com mais tempo para os ler.

Quanto a este poema, certamente será um dos mais pessoais que já escreveste. Lindíssima homenagem, talvez recordação de um passado, confesso que não cosegui discernir, mas incrivelmente bela.
Alternas entre o passado e o presente, daí a minha dúvida.

Um bom ano de 2006 para ti, e que no final de Maio as ruas se pintem de verde.

Abraço

 
At 2:08 da manhã, Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Olá Duarte

Arrepiou-me - comoveu-me - e maravilhou-me... ler-te. Esta homenagem cheia de saudade e de sentires únicos.

Um beijo

 
At 4:46 da tarde, Blogger musalia said...

perco-me em pensamentos idênticos, de saudade, de conforto, de aconchego. mas há uma frase, uma constatação que me fere: 'já não lhes posso perguntar nada, agora fico sem poder saber'. isso dói-me. porque sou eu que tenho de responder, agora.

beijinhos, Duarte.

 
At 11:44 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Duarte,
Apenas posso dizer que o eterno aplauso com os olhos marejados de lágrimas e um olhar orgulhoso perante o teu ser é o merecido olhar que este poema me inspira.
Estou sem palavras perante esta homenagem ao teu pai.
Beijinhos.

 

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