Elo Paternal
É bom sentir-te tão próximo,
Pressentir os teus pensamentos
O ressoar do silêncio que emanas
Enquanto o frio lá fora, varre a maledicência
E, por esta parede rarefeita
Saber-te no regaço
Para lá do passado,
Nesta ubíqua presença.
Nesse repouso sereno,
Estranho-me assim perto, distante
Imerso na densa nostalgia
Recambiado para esta cama pequena, fria,
De reencontro com a ingenuidade pura
Do menino dos sonhos de outrora
Hoje homem, mesclado de criança sonhadora.
Vejo brinquedos, bonecos que moldei
Partidos, decepados…
Projectos de noites, de criação primordial
O pó nos interstícios da saudade
E tu, repetidamente
Repousas na simplicidade do que és
No ocaso do tempo que te apurou
Por sadia metamorfose
Estado que a bonança serenou.
Pai,
Dedicada canção a minha,
Tentativa sacrílega de enaltecer o Ser
Velo-te reverente
Neste esquadrinhar de leitos tão próximos,
Neste revisitar de matizes de ontem
Que se toldam de escuro
Do crepúsculo da vida à espreita,
Enquanto na inquietação
Evoco esta saudade.
Adormeço suspenso no passado,
No tilintar da chuva que reconheço
De quedar igual ao de ontem
Inalo o cheiro que não arejou no tempo
De odores congelados
Oiço o frémito natalício
Nas explosões das bombas de paz
Esparsas,
E cubro o meu corpo moribundo
Sob mantas que me cobriram na alvorada.
Duarte Olim
7 Comments:
Venho por cá poucas vezes (demasiado poucas eu sei!). E cada vez que por cá passo, fico assim estarrecida, sem palavras para classificar o quanto a tua escrita me deixa sensibilizada... Um excelente 2006. E tenho de arranjar mais tempo para passar por cá. Bjs
Duarte,
O espaço da memória e da saudade, imagens, sons e cores do passado e do presente, sem querer saber muito bem onde acaba um e começa outro.
Um beijinho
De facto, a escrita, e mais ainda a boa escrita, pode ser altamente reconfortante ... eu que o diga depois de ler este teu espectacular texto ...
Obrigada ...
Beijinho encaracolado :)
Amigo Duarte
Após um período ausente (período esse sempre coincidente com as férias), regresso ao quotidiano insone.
Vejo que tens vários posts que ainda não li, e prometo voltar com mais tempo para os ler.
Quanto a este poema, certamente será um dos mais pessoais que já escreveste. Lindíssima homenagem, talvez recordação de um passado, confesso que não cosegui discernir, mas incrivelmente bela.
Alternas entre o passado e o presente, daí a minha dúvida.
Um bom ano de 2006 para ti, e que no final de Maio as ruas se pintem de verde.
Abraço
Olá Duarte
Arrepiou-me - comoveu-me - e maravilhou-me... ler-te. Esta homenagem cheia de saudade e de sentires únicos.
Um beijo
perco-me em pensamentos idênticos, de saudade, de conforto, de aconchego. mas há uma frase, uma constatação que me fere: 'já não lhes posso perguntar nada, agora fico sem poder saber'. isso dói-me. porque sou eu que tenho de responder, agora.
beijinhos, Duarte.
Duarte,
Apenas posso dizer que o eterno aplauso com os olhos marejados de lágrimas e um olhar orgulhoso perante o teu ser é o merecido olhar que este poema me inspira.
Estou sem palavras perante esta homenagem ao teu pai.
Beijinhos.
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