segunda-feira, setembro 01, 2008

Roma


É belíssima! Compagina a pesada herança do passado com uma harmonia leve que condescende à nudez crua que exibe; é impúdica a sua pose, desvelando as rugas que sobejam dessa ancestralidade afortunada, algumas imersas de musgos atrevidos, permitindo que mantas de trepadeiras lhe envolvam o peito e no agasalho desta indumentária, uma silhueta semi-nua, de matizes ocres, nos enleve pelo inefável da sua epopeia. Há quem se insurja contra a boçalidade do império, mas este não é mais nem menos que o lugar que lhe deu guarida. Feneceu a grandeza, restam escombros e romanos de outra têmpera.
A cidade encanta no antigo, gosto da acústica das ruas vetustas, do tilintar da água nas abundantes fontes, moldadas por mãos humanas que lhe poliram a rocha no uso copioso. Pisos irregulares de pedra alinhada pedem zelo para que não nos descaia o pé-na-poça, na verdadeira acepção da palavra; falo-vos de uma inusitada chuva que, de primaveril ensejo, recepcionou a minha chegada. E aqui prossigo assimilando o desfile de arte que me custodia o caminhar. São impotentes os ateliers que ponteiam este lugar na ânsia de dar conservação e digno restauro a inúmeras peças que sublimam a glória e as imemoriais conquistas.
Bebo da vetustez que os poros invisíveis das ruínas derramam; sempre as ruínas e o meu fascínio por elas. Na lonjura ecoa o bulício urbano da outra Roma, onde o tráfego é uma azáfama louca. Não serão resquícios da tresloucada ventura da Roma Antiga? Como que possessos por demónios, os romanos exibem um frenesim beluíno na condução, fazendo-o predominantemente em scooters que, reconheça-se, são mais eficientes que veículos de um passageiro munido de uma leva de sofás e chapa a rodos. Se nas motos se assemelham a demónios a fugir do sagrado, têm a argúcia de entender que para transportar uma pessoa, são dispensáveis quatro rodas e uma catrefada de acessórios de sala de estar. Mas não foi essa a Roma que guardo. A minha preferida está para lá do Rio Tevere, descobri-o na errância de uma feliz incursão a essa margem. Dela conto voltar a escrever, para que Roma não fique reduzida a escombros e àquele povo pouco devoto à cidadania.