quinta-feira, junho 23, 2005

Quero

Quero ser luz,
Incendiada como a do crepúsculo no horizonte
Quero sentir o vento,
Aquele que rasga uma onda e levanta a espuma
Quero ser amor,
Amor que arde, amor maternal, amor que abalroa corações.

segunda-feira, junho 20, 2005

Apelo de Amor!

Fala-me de amor,
Tão acutilante como a alvorada fria,
Lancinante como o arrepio do susto.
Envolvente como a bruma do abismo.

Amo sem rumo,
Neste barco que vagueia pelo teu rosto,
Sulcando no teu corpo,
O desejo incontido da paixão.

O teu sorriso cândido e doce,
Segue-me nestes dias cinzentos,
Com saudades de te ver,
De revisitar o remanso do teu abraço,
Esse que me enleia na noite,
Que deixa no meu acordar,
O calor de um aconchego,
A humidade do teu beijo.

Não, não há razão para amar.
Sei que não és minha,
Por isso te amo.

Sonho,
Sonho contigo,
Insuflo a frescura da manhã
e refresco-me da tua memória,
do teu cheiro, do teu sabor.
Contemplo o horizonte,
Espraiando o meu olhar para o mar,
Ao encontro dos teus olhos cor de azeitona.

domingo, junho 19, 2005

Novos Suportes, Novas Literaturas


 Posted by Hello

Na noite escura e fria, alguém incógnito, vai desafiando medos, percorrendo sombras, reptando os foragidos que derivam na margem da lei. Segue no fito de inscrever palavras soltas, desvairos poéticos, linhas amargas e versos melífluos. Fá-lo nas paredes, nas fachadas e nos muros, onde der para recalcar a expressão interior que o move. As palavras vadias sobejam dos escombros do passado, teimosamente hirtos pela quietude da cidade, acenando aos viandantes que, novos suportes impõem novas literaturas. Caminheiro da noite, da invicta, morador, dos poetas, descendente. Invicta? Que invicta?! Essa ilusão da perfeição, do erguido fútil, dos rostos inexpressivos das casas, desalmadamente relegados ao abandono. A literatura reacende a vida, no escuro da alma dos pobres, ricos de sentimentos que, na penumbra da noite escura, vai deixando um testemunho que brilha de amor e saudade, nas palavras de contágio plangente.
Dialoga com as ruas, delas recebe protecção sem tecto. Despido de preconceitos, vai silenciosamente calcorreando a noite, calcando a marcação das sombras mais nítidas, pressentindo o desnudar de um olhar furtivo que observa de alguma janela, na sua vigília. Manuscreve com formosura, ninguém sabe como, poucos se interrogam porquê. Marca a cidade, renova prédios devolutos, harmoniza a irregularidade das paredes e reentrâncias de portas idas, como se de uma folha de papel se tratasse. Será homem? Mulher? Mendigo(a)? Feiticeiro(a)? Iluminado(a)? Profeta? Sabe-se que certo dia – noite talvez –, deixou escapar a pista “sozinha”, abafada por uma pintura recente. Não me recordo a mensagem. Era linda. Chorava a solidão. Disseram-me que poucos a leram nessa palavra, nessa pista indelevelmente coberta pelo verniz moderno. Porém, quem lhe segue o rastro, procura imaginá-la. Segue-lhe o coração reflectido nos seus versos. Certamente os vampiros conhecer-lhe-ão o rosto, coabitando com as suas escapadelas nocturnas divergentes. Todavia, quando alguém a encontra, nada mais alcança que a capa, o sobretudo, a sombra, a expressão sumida que teima em fugir à objectiva do olhar.
Ela continua presente em cada esquina, ruela, parede. É uma vagabunda das letras, marginal poética, de sensibilidade pungente, traduzida nessa inefável delicadeza do traço, espelho da magnanimidade de quem renegou à vida fácil, abraçando a desventura. As suas mensagens de mel ataviam a noite de encanto. A lua espreita, alumia as palavras – a poesia que brota de mãos incertas. Novas manifestações da escrita, dirão. Porém, é mais lida que muitos emproados escritores que, dessa igualha, retiram galões do seu interior bafiento e oco. Arrivistas do protagonismo!
Essa mulher que chora com as palavras; que ama como os poetas; que grita mudez. Anónima! Que usando novos suportes grita silenciosamente os sentimentos mais genuínos da essência humana, no barulho dos dias irrequietos, aquietados pela noite poética passada, pelas paredes que falam, pelos versos que, ora descem, ora sobem, como que ao sabor do capricho dos nossos humores. É achada pelos olhares que fitam, por aqueles que no tédio dos dias, lêem os seus versos e identificam-se por aquele sentir que pincela as paredes de mensagens que nos desnudam as nossas fugas, as nossas atribulações diárias. Mistura-se entre os graffitis, os cartazes panfletários e as portas de outras eras. Renova a alma das paredes carcomidas, das portas emperradas, dos arcaicos ferrolhos oxidados e das ervas que, nos interstícios, ressuscitam a humidade em tonalidades verdejantes, sujeitas às provações urbanas.
A arte marginal percorre com subtileza aquele recanto da cidade. Algumas incursões mais ousadas levam-na a zonas mais limítrofes, mas a poesia está concentrada próxima do seu leito, onde o céu devolve à lua o brilho fosco e débil que, auxiliado pelos candeeiros, ilumina a arte da mulher misteriosa.