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aquiA sedução pelo continente africano adquire um assombro tão envolvente que me interrogo das razões que me levam a este fascínio. Pode dever-se aos relatos de quem por lá aportou, pela minha ancestralidade estar intimamente ligada geograficamente à plataforma africana, ou mesmo, pela influência lusa em África. Não sei se existe outra razão recôndita que não consigo descortinar, mas sinto-me extasiado com a África pura e cândida que, dentro de mim, se espraia de forma harmoniosa com o Todo Universal. É uma geografia interior, cheia de ritmo, de magia e de muito encanto.
Pese embora todas as crónicas e reportagens que profusamente se difundem nos media, desvelando de forma desavergonhada os horrores, a miséria, a pobreza, a doença, a fome, sinto-me atraído pelo continente africano. Nem sempre me compreendem. A sedução de momento é o Brasil. Sei-o. A minha é África! Não é querer ser do contra! A verdade é que não tenciono visitá-la brevemente, mas cultivo-a com estima no interior da ausência desse continente. Leio na expressão do negro, uma doçura, uma nostalgia única, uma pureza de alma dilacerante. Sei que em muitos casos, esta idílica saudade é conspurcada pelos horrores hediondos da guerra e toda uma série de violações dos direitos humanos. Assisto à atroz e macabra emancipação do homem negro que, vergando-se à riqueza fácil, de arrivismos ressabiados, encobre a sua vil mesquinhez por entre arengas bafientas e populistas, governando corruptamente os destinos de muitos povos africanos, com totalitarismo, prepotência, oportunismo, tirania e boçalidade saloia.
Todavia, sinto África como um continente em que o tempo passa devagar. Penso em África como um local onde a pobreza e a precariedade conseguem coexistir promovendo a união das pessoas, o espírito solidário, a entreajuda, e os gestos de profundo humanismo. Vejo África como um lugar a salvo do desperdício, onde o despojamento retribui a cada coração, uma catarse interior, uma libertação desprovida de âncoras que adejam o pensamento e a alma.
A atmosfera africana promove o ócio, e esse clima propício ao “nada fazer” contribui para o convívio e para a união entre as pessoas. Predispõe à contemplação da natureza, do belo e do divino. Não obstante a profusão de recursos de muitos países africanos, a iníqua distribuição da riqueza configura situações fatídicas de pobreza extrema. Na sua génese, esta situação deve-se à exploração cobiçosa e sôfrega dos recursos que o homem branco vem extorquir, na sua esperteza maquiavélica, destinados ao seu comprazimento insustentável com a normal pulsação do mundo.
O vagar que África oferece, promove o exercício da espiritualidade. Aquele que possibilita a harmonização da nossa essência com o Universo. Contrasta com a correria absurda do europeu que, num frenesim diabólico, anda em passo acelerado numa orientação desorientada e pouco condizente com o âmago que o constitui como ser humano. Rodopia com uma estampa pálida de ansiedade no rosto. Ansiará a imortalidade?
Conta-se que certo patrão branco em África, acostumado à brevidade da execução das tarefas na europa, ordenou aos seus súbditos negros que andassem mais depressa que se fazia tarde e que o trabalho não podia esperar. Uma mente sapiente nativa respondeu com circunspecção: “Chefe, não podemos ir mais depressa. Se o fizermos, a nossa alma pode ficar para trás”. É esta compaginação ao universo que o africano ainda cultiva na minha geografia interior. É com esta forma de sentir que pretendo ser confrontado, de forma a repensar a minha estrutura, a minha idiossincrasia para com comportamento social e a evolução desta peça ínfima do Universo. Esta peça que chamamos de humanidade.
O olhar lúgubre de um negrito comove e espelha a saudade. É de uma tal profundidade, que nos toca o coração e abre o luar do palco do horizonte, num prelúdio de tambores que ribombam os primeiros ritmos quentes e plangentes da selva, pincelado de pinturas de guerra pela paz.