quinta-feira, julho 21, 2005

Camarada

Lutar,
Esse lema guerreiro,
Da terra nascido, criado
Maltratado, mas obreiro
Vai,
Manifesta, grita a revolta!
Defende a herança,
Olha teus ancestrais,
Respeita a diferença.

Igual,
Condição humana
Verdade,
Bitola da vida
União,
Força do povo
Fraterno,
Sentimento próximo
Solidário
Teu espírito leal e amigo

Segue o sol,
Abraça o amigo,
Dá o teu suor pelo grito
Despreza a injustiça.
Vem camarada,
Guarda-me os campos,
Protege-me o mar,
Respira o alvor de Abril
Vive a Liberdade.

terça-feira, julho 19, 2005

Desamparo Nocturno

Na noite velada e tranquila, por vezes acordamos, e no escuro, contemplamos o vazio desalmado. A névoa penetrante da noite cobre as formas, os detalhes do quarto, os recantos do nosso imaginário que ontem se apresentavam tão nítidos. Sentimos um apelo à finitude da nossa vida. Esvaímos em suor. É como se um pesadelo sonhado envolvesse este cenário pictórico e funesto. Da calmaria da noite sobeja a inquietude interior. Sentimos falta de um regaço, de um aconchego quente e terno. Pegamos no telemóvel na esperança que tenha sobrado alguma mensagem de ontem. Mas nada. Damos por nós inseguros, desorientados por esta angústia entorpecida assente neste desamparo medonho. Imprecamos um abrigo. Não o encontramos. Imagens mentais irrompem a nossa mente como num filme rebobinado em modo rápido. Rebolamos na cama, mudamos a almofada, hoje menos confortável; ajeitamo-nos, mas a sensação torpe continua a consumir-nos. O sono emigrou. Soçobramos na lassidão deste momento. Somos órfãos da noite. Estamos à mercê dos seus mistérios e caprichos. Da sua realidade atroz inalienável. Esmorecemos. Talvez sejamos protagonistas dos sonhos de alguém. Ou serão pesadelos? Talvez nem o mundo onírico nos utilize como figurantes secundários. Estamos sós. Sentimos que a lucidez deste acordar nos confronta com a solidão. Ela invade-nos sem convocatória. Sem cortesia. Sem zelo. Não temos quem nos socorra. Não temos quem acordar. Pego num livro, e quando leio o título “o vendedor de passados”, questiono-me se não haverá quem procure um ofício que nos venda o futuro. Aquele que sonhamos noutras noites ébrias. Não nesta! Oiço passos na vizinhança. Gente noctívaga de costumes inauditos. Gente sem estes desvarios certamente. Força-se o sono, mas ele não arreda. Deixa-nos imersos nesta vigília inquietante. Aqui na noite, no escuro, na aterradora solidão somos desafiados pela nossa existência. É madrugada. Habitualmente ouviria o primeiro cantar dos galos. Um carro a romper este silêncio. Mas nada. Paira no ar a mórbida solidão. Não há um porto, um farol que na noite, nos oriente… nem um baixio que nos faça acordar num naufrágio.

domingo, julho 17, 2005

Exortação aos Astros

Quero revolver o mundo,
Misturar água com terra,
Baldear montanhas com oceanos,
Friccionar fogo com as trevas,
E reorientar em argamassa,
Recriando novas paisagens,
Novos mares,
Novas ilhas,
Novas montanhas,
Novos rios,
Envoltos de magia e cor,
Espaços tão belos,
Tão idílicos,
Como os sonhos que efervescem dentro de mim
Que me catapultam para o cume da felicidade
Onde te trago pela minha mão que te vela
Para um amanhã que nos espera.

quinta-feira, julho 07, 2005

África


 Posted by Picasa
Fonte: aqui

A sedução pelo continente africano adquire um assombro tão envolvente que me interrogo das razões que me levam a este fascínio. Pode dever-se aos relatos de quem por lá aportou, pela minha ancestralidade estar intimamente ligada geograficamente à plataforma africana, ou mesmo, pela influência lusa em África. Não sei se existe outra razão recôndita que não consigo descortinar, mas sinto-me extasiado com a África pura e cândida que, dentro de mim, se espraia de forma harmoniosa com o Todo Universal. É uma geografia interior, cheia de ritmo, de magia e de muito encanto.
Pese embora todas as crónicas e reportagens que profusamente se difundem nos media, desvelando de forma desavergonhada os horrores, a miséria, a pobreza, a doença, a fome, sinto-me atraído pelo continente africano. Nem sempre me compreendem. A sedução de momento é o Brasil. Sei-o. A minha é África! Não é querer ser do contra! A verdade é que não tenciono visitá-la brevemente, mas cultivo-a com estima no interior da ausência desse continente. Leio na expressão do negro, uma doçura, uma nostalgia única, uma pureza de alma dilacerante. Sei que em muitos casos, esta idílica saudade é conspurcada pelos horrores hediondos da guerra e toda uma série de violações dos direitos humanos. Assisto à atroz e macabra emancipação do homem negro que, vergando-se à riqueza fácil, de arrivismos ressabiados, encobre a sua vil mesquinhez por entre arengas bafientas e populistas, governando corruptamente os destinos de muitos povos africanos, com totalitarismo, prepotência, oportunismo, tirania e boçalidade saloia.
Todavia, sinto África como um continente em que o tempo passa devagar. Penso em África como um local onde a pobreza e a precariedade conseguem coexistir promovendo a união das pessoas, o espírito solidário, a entreajuda, e os gestos de profundo humanismo. Vejo África como um lugar a salvo do desperdício, onde o despojamento retribui a cada coração, uma catarse interior, uma libertação desprovida de âncoras que adejam o pensamento e a alma.
A atmosfera africana promove o ócio, e esse clima propício ao “nada fazer” contribui para o convívio e para a união entre as pessoas. Predispõe à contemplação da natureza, do belo e do divino. Não obstante a profusão de recursos de muitos países africanos, a iníqua distribuição da riqueza configura situações fatídicas de pobreza extrema. Na sua génese, esta situação deve-se à exploração cobiçosa e sôfrega dos recursos que o homem branco vem extorquir, na sua esperteza maquiavélica, destinados ao seu comprazimento insustentável com a normal pulsação do mundo.
O vagar que África oferece, promove o exercício da espiritualidade. Aquele que possibilita a harmonização da nossa essência com o Universo. Contrasta com a correria absurda do europeu que, num frenesim diabólico, anda em passo acelerado numa orientação desorientada e pouco condizente com o âmago que o constitui como ser humano. Rodopia com uma estampa pálida de ansiedade no rosto. Ansiará a imortalidade?
Conta-se que certo patrão branco em África, acostumado à brevidade da execução das tarefas na europa, ordenou aos seus súbditos negros que andassem mais depressa que se fazia tarde e que o trabalho não podia esperar. Uma mente sapiente nativa respondeu com circunspecção: “Chefe, não podemos ir mais depressa. Se o fizermos, a nossa alma pode ficar para trás”. É esta compaginação ao universo que o africano ainda cultiva na minha geografia interior. É com esta forma de sentir que pretendo ser confrontado, de forma a repensar a minha estrutura, a minha idiossincrasia para com comportamento social e a evolução desta peça ínfima do Universo. Esta peça que chamamos de humanidade.
O olhar lúgubre de um negrito comove e espelha a saudade. É de uma tal profundidade, que nos toca o coração e abre o luar do palco do horizonte, num prelúdio de tambores que ribombam os primeiros ritmos quentes e plangentes da selva, pincelado de pinturas de guerra pela paz.