
Friendship, Picasso

Faz tempo que estou arredado das lides da escrita. Os que gentilmente e com amizade me visitavam, devem ter-se interrogado: terá ido de férias? Estará doente? Perdeu o entusiasmo pela escrita? Está a passar por uma fase de falta de inspiração? Casou, e a mulher, de tão despótica, não admite que ele publique os seus textos? (livra!) Efectivamente, a resposta está entre as indagações aventadas. Adoraria ter ido de férias, mas costumo programá-las para Setembro. É um mês no qual tenho maior disponibilidade financeira. Agora, ando nas lonas, a contar moedinhas. É a sina de sermos os indigentes da Europa – a Europa Unida. Mas é insofismável que ainda sou dos privilegiados que saem nas férias. Voltando a Setembro, é nos dias deste mês que o horizonte adquire tonalidades tão belas, quanto inquietantes. Pressagia-se o fim do Verão, e o Inverno parece mesmo ali à espreita, mas os dias ainda são contemplados por uma generosa luminosidade, e é maior o fluxo dos que regressam de férias, do que aquele que segue em sentido inverso. E isso contribui para, nos lugares eleitos, poder conviver com a identidade desses espaços na sua maior plenitude, sossegadamente, distante dos abusos festivos ocidentalizados, permitindo conhecer as cidades no seu abrolhamento diário, no seu buliçoso frenesim, reflectido no regresso massivo à vida escolar e laboral dos seus habitantes. E como privilegio muito o social, dou particular destaque à observação das pessoas, da componente humana e das suas relações inter-específicas. Procuro sorvê-las, e é nelas que me enriqueço de vivências.
Não, não perdi o entusiasmo pela escrita. Adoro escrever, e os blogs possibilitam partilhar de uma forma intensa os nossos sentimentos, pontos de vista, ideias, entre muitas outras coisas. Alguns expõem-se de forma desnudada, outros revelam-se nas entrelinhas. Mas a escrita é um diálogo interior. É a nossa interpretação das pequenas insignificâncias da vida. A nossa visão do mundo. Por vezes sentimo-nos tentados em querer saber quem é o(a) autor(a) deste ou daquele blog, mas creio que uma partilha desta intensidade perderia o seu enlevo caso esse interesse fosse satisfeito. Ou talvez não. Considero que a partilha é mais genuína e verdadeira, subsistindo o mistério.
Realmente fui acometido por febres altas e inusitadas. Não me recordava ao certo o que era ter febre. Só ao segundo dia fui admoestado pelo cauto maternal. Coincidiu com o dia das grandes decisões para o país, com o traçar de um novo rumo – pelo menos é o que todos esperamos. E a hecatombe foi de tal ordem para a direita, que em mim, o efeito manifestou-se em estados febris atrozes. Terei sido alvo de um esconjuro? Mas, retomando o raciocínio, ainda consegui cumprir o meu dever cívico. Talvez a remota forma de expressarmos livremente a nossa vontade. A conjuntura política actual faz-me lembrar o célebre desígnio tão defendido por Sá Carneiro: “um governo, uma maioria e um presidente”. E apesar do homem não ser profeta, adivinhou o cenário que há 20 e muitos anos atrás, estabeleceu como meta, todavia, o destino muitas vezes escreve-se de forma irónica e sarcástica…
Concomitantemente, passei uma fase de teimosa improdutividade na escrita. Não me ocorria nada. Rigorosamente nada. Talvez reflexo da insipidez dos meus dias. Ou a indisfarçável falta de imaginação, que, à falta de melhor, relega-me a redigir memórias, pequenas crónicas, ou missivas insípidas. Outros há que, de tão profícua imaginação, fazem da ficção o seu porta-estandarte. Preciso de atirar achas para a minha imaginação, ateá-la até ficar incandescente e soltar-se em labaredas siderais de mirabolantes contos, de fantasiosas histórias, de textos de beleza fulminante.
Mas, neste aqui, agora, enquanto a chuva tilinta lá fora, limito-me a quebrar a linha programática do meu blog (esta expressão soou a politizada – devem ser influências da semana anterior), escrevendo-vos directamente. Até porque gosto de liberdade. Assim, falo-vos na primeira pessoa. Fazendo-o para amigos. Ou será que é mais significativa uma amizade baseada no circunstancial cumprimento da praxe, e na troca de fúteis perguntas igualmente circunstanciais que entram no rol dos que se movem por condutas socialmente correctas, gastas de tão mecanizadas e arquitectadas por sorrisos maquinais? Não será mais amizade a partilha da nossa alma, do nosso Eu mais profundo, da nossa sensibilidade para com o mundo, das nossas inquietações, do amor e seus cambiantes? É por isto que sinto lufadas de amizade em todos os que me visitam, quer deixem ou não comentário. É o obséquio que nos alenta a continuar. Aproveito para desculpar ainda os que não conseguem alhear-se de sentimentalismos, não sendo capazes de escreverem outros comentários que não sejam elogios explícitos, que nalguns casos, reagi, ligando a perguntar:
– Quanto te devo por aquele comentário que me deixaste no blog? Obviamente que me refiro a amigos. Amigos que já o eram, antes de fazer esta incursão no mundo da blogosfera. Reconheço igualmente o meu sentimentalismo, e, aos Vossos olhos, até algumas mediocridades que escrevo, transformam-se em pérolas luzidias. Diria que se assemelham a uma transformação divina.
Com ou sem imaginação, estou de regresso, mas a escrita não pode obedecer a um método, a uma programação delineada, a uma periodicidade rigorosa, mas a estados de alma, ao sentimento que nos impele a recorrer a ela, e que expele com a força de um vulcão, incandescências em forma de palavras.
E para finalizar, não tolero despotismos.