terça-feira, janeiro 31, 2006

Ave Marinha



Sereno adejo,
Incólume deriva no ar
Estarreço de contemplar
A perícia do teu voar.

Duarte Olim
Foto daqui

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Mar de Saudade



Tinge-se a atmosfera parda
Da serra caída no litoral costeiro,
Sorri na bruma do mar
Esbate-se o negrume, na silenciosa brisa
Da arriba da ilha
Húmida sensação, recôndita nostalgia.

Das ondas passadas,
Ponteiam as pedras no fundo…
Basaltos inesperados
Assomando sobre o manto marinho
Submersos ao acaso…
Indicando o destino?

Minha ânsia desmedida
Vê um mar imenso, de salpicos encruzilhados
De pedrinhas à tona na praia,
Replicadas na lonjura do horizonte
Caminho desamparado
É esse que procuro no íntimo.

Uma fuga?
Não! Um reencontro…
Saltitava sobre estas pedras,
Num equilíbrio circense louco
Para ousadia desta cruzada
Ou forma destemida
De atravessar este mar de uma passada.

Do lado de lá,
Sei-te algures presente
Invoco a minha fé,
Precária para andar sobre as águas
Epopeia bíblica, ensejo demente
Resta-me equilibrar nestas rochas…
E de salto em salto
Chegar até à lusitana costa.

Arrisco-me a esta façanha,
Ao invés destas saudades
Que me consomem na ilha
Num vagar cadente de mar,
Ondulação insistente
Retiro penoso, de esperança e assentimento.

Foto e poema: Duarte Olim

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Madrugada de Cristal

Ociosamente,
Irrompe a aurora lívida
No vigor do canto dos galos
Às desgarradas
No cenário silencioso da manhã,
Bucólico,
Nas linhas paralelas sulcadas pela luz dos tapassóis
Do Sol que se alevanta
Sorrindo alvura,
Nas paredes foscas
Para onde descerro as pálpebras
Esquadria pura que alumia
Tépida luz do novo dia.

Passou mais um ano,
O mundo gira impassível à efeméride
Pincelado por relampejos de artifício
Multicolores…
Alcandorados no urbano
Excessos de um laivo humano
Repleto de desejos, promessas desvairadas
Meneadas por álcool e vícios mil
Sonhos insuflados de fugacidade
Esboroados no seguir.

De expressão risível
Escarnece das convenções,
Aliena as mentes combalidas
No ano do Tudo,
No reinício da mediania
Amarfanhada por esse passado
De futuro inopinado.

Liberta-te do mundano,
E o ano será de oiro
Entranha-te nas teias da ganância,
Retoma o teu andar de burro.

Duarte Olim

terça-feira, janeiro 03, 2006

Elo Paternal

É bom sentir-te tão próximo,
Pressentir os teus pensamentos
O ressoar do silêncio que emanas
Enquanto o frio lá fora, varre a maledicência
E, por esta parede rarefeita
Saber-te no regaço
Para lá do passado,
Nesta ubíqua presença.

Nesse repouso sereno,
Estranho-me assim perto, distante
Imerso na densa nostalgia
Recambiado para esta cama pequena, fria,
De reencontro com a ingenuidade pura
Do menino dos sonhos de outrora
Hoje homem, mesclado de criança sonhadora.

Vejo brinquedos, bonecos que moldei
Partidos, decepados…
Projectos de noites, de criação primordial
O pó nos interstícios da saudade
E tu, repetidamente
Repousas na simplicidade do que és
No ocaso do tempo que te apurou
Por sadia metamorfose
Estado que a bonança serenou.

Pai,
Dedicada canção a minha,
Tentativa sacrílega de enaltecer o Ser
Velo-te reverente
Neste esquadrinhar de leitos tão próximos,
Neste revisitar de matizes de ontem
Que se toldam de escuro
Do crepúsculo da vida à espreita,
Enquanto na inquietação
Evoco esta saudade.

Adormeço suspenso no passado,
No tilintar da chuva que reconheço
De quedar igual ao de ontem
Inalo o cheiro que não arejou no tempo
De odores congelados
Oiço o frémito natalício
Nas explosões das bombas de paz
Esparsas,
E cubro o meu corpo moribundo
Sob mantas que me cobriram na alvorada.

Duarte Olim