É bom sentir-te tão próximo,
Pressentir os teus pensamentos
O ressoar do silêncio que emanas
Enquanto o frio lá fora, varre a maledicência
E, por esta parede rarefeita
Saber-te no regaço
Para lá do passado,
Nesta ubíqua presença.
Nesse repouso sereno,
Estranho-me assim perto, distante
Imerso na densa nostalgia
Recambiado para esta cama pequena, fria,
De reencontro com a ingenuidade pura
Do menino dos sonhos de outrora
Hoje homem, mesclado de criança sonhadora.
Vejo brinquedos, bonecos que moldei
Partidos, decepados…
Projectos de noites, de criação primordial
O pó nos interstícios da saudade
E tu, repetidamente
Repousas na simplicidade do que és
No ocaso do tempo que te apurou
Por sadia metamorfose
Estado que a bonança serenou.
Pai,
Dedicada canção a minha,
Tentativa sacrílega de enaltecer o Ser
Velo-te reverente
Neste esquadrinhar de leitos tão próximos,
Neste revisitar de matizes de ontem
Que se toldam de escuro
Do crepúsculo da vida à espreita,
Enquanto na inquietação
Evoco esta saudade.
Adormeço suspenso no passado,
No tilintar da chuva que reconheço
De quedar igual ao de ontem
Inalo o cheiro que não arejou no tempo
De odores congelados
Oiço o frémito natalício
Nas explosões das bombas de paz
Esparsas,
E cubro o meu corpo moribundo
Sob mantas que me cobriram na alvorada.
Duarte Olim