sexta-feira, setembro 30, 2005

Utopia Revolucionária


"The Uprising" - Honoré Daumier Posted by Picasa

Nas minhas lucubrações nocturnas, mescladas de sonho, penso utopicamente numa ilha diferente. Nela, antevejo a queda, não do terceiro reich, mas de um império de velhacos que, por força da ignorância de um povo, zurre do pedestal e distribui louros avulsos aos correligionários. Com risota estúpida.
Por este situacionismo, gostava que na minha terra ocorressem manifestações. Mobilizações de jovens. Gostava de sentir na juventude, arcaboiço para a absorção de ideais e discussão de causas. Que a lucidez moderasse os comportamentos e os hábitos de consumo, contra a hegemonia de lobbies e interesses. Queria que existissem sublevações contra os vícios instalados, de forma a desmascarar os tentáculos que, perniciosamente, se alastram pela ilha. Gostava que a população reivindicasse sem medos, sem constrangimentos. Gostava que o povo se agregasse, e, organizadamente, exigisse os seus direitos mediante uma maior participação cívica. Que libertasse a democracia das mãos funestas partidárias.
Não quero permanecer subjugado à inércia desta sociedade amorfa. Deste povo que se acomoda com festanças, com comes e bebes e que se diverte com a palhaçada boçal, com um populismo informe de indivíduos que, com arengas saloias, ludibria ardilosamente as mentes de barro das gentes. Não quero que me confundam com pessoas que vendem ao desbarato a sua dignidade. Que alienam a sua alma ao diabo da corte, em troca de alvíssaras corruptas, ou meros cavacos hipócritas.
Regozijava-me saber da existência de reuniões secretas, de encontros de grupos que promoviam tertúlias, debatiam políticas, causas, manifestos e obras literárias. Queria assistir ao embaraço de certas classes privilegiadas, perante a agenda activista de movimentos esquerdistas. Queria ver nascer um Jeremias, o fora da lei, o mítico personagem do mundo imaginário do Jorge Palma. Queria ver manifestos panfletários, movimentos ideológicos. Gritos de revolta! Voltar a ouvir música de intervenção. Queria assistir a acções que revelassem a existência de uma massa crítica que inculcasse nos outros, atitudes firmes e esclarecidas para o exercício pleno da democracia. Queria ver efervescerem movimentos cívicos. Surgirem líderes sem medo. Fundamentados. Gente com coragem para desmascarar fascistas, autistas de valor dúbio. Queria ouvir dos jovens, desabafos irreverentes contra o sistema, ao invés de sorrisos estúpidos, néscios, sinais que diagnosticam precariedade mental. Queria ler nas paredes, apelos à liberdade, manifestos por uma sociedade mais justa. Queria ver cartazes revolucionários, inscrições e manifestos por uma sociedade solidária.
Sem revoluções, a sociedade não evolui. Estes tumultos são desinfestações contra a virulência de ideais decrépitos, e contribuem para a evolução da humanidade. Não quero viver numa região estanque, onde a afirmação fica subjugada aos deboches de um fascista, de um demente que governa e mantém fiéis do seu lado, comparsas pacóvios, com intelectualidade senil. Quero sentir o frenesim de movimentos estudantis. Quero rebeldia intelectual na rua. Quero assistir a uma crescente emancipação do homem, contra as convenções instaladas, contra os dogmas instituídos. Quero que indaguem e não assumam as heranças culturais, como verdades absolutas. Só assim se superam mitos e se promove a mudança inter-geracional. Aspirar à mudança é sempre salutar. O mundo não pára. Quero que sintamos orgulho da nossa terra, não pelas mudanças estruturais, mas, sobretudo, pela clarividência mental, pela autonomia intelectual, pela assunção de valores que revelem a evolução cívica desta sociedade. Atitudes que não existem. É confrangedora a falta de interesse pelo saber.
Estou cansado dos mesmos. Cansado desta inércia torpe. Deste comodismo. Desta insciência de ideais. Do autismo de certos grupos. Do oportunismo desenfreado de compadres. Gostava que fosse denunciado e expulso, o circo que actua frequentemente na assembleia, onde certo grupo, chefiado por caudilhos, é seguido por uma turma de repetentes que se riem de forma patética, condizente com a frouxidão dissoluta das suas mentes corrompidas. Num insulto à democracia, e aos restantes grupos que o povo elegeu democraticamente.
Queria sentir o espectro de sedições públicas por causas, contra o coarctar da liberdade individual.
Ponha-se fim a este sumidouro de dinheiros públicos, acabe-se com este desperdício atroz de fundos, tão irresponsável e tão subserviente aos interesses eleitoralistas da tribo.
Estou saturado de mentes vis. De gentes mesquinhas, que, entre a razão e a ocasião, ferem, atropelam, vendem a dignidade, mediante ardilosos sofismas, para atingirem o poder. A glória. Que glória, oh mentecaptos!? Sois mentes putrefactas, vós continuais mendigos de inteligência. Reféns da vossa imbecilidade. Reduzam-se à vossa insignificância! Petulantes da razão. Rendam-se à vossa vil condição, imberbe de lucidez.
Oiço do além, o troar de passos de uma multidão em gáudio, faixas aludindo à liberdade, vozes de incentivo que se manifestam por megafones. A cadência dessa marcha, faz-me respirar a liberdade desse dia que anseio. Sinto saudades de um futuro que o meu imaginário acolhe com esperança.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Mentes de Ocasião

Sopram,
Ventos de azimutes incertos,
De latitudes esquecidas,
Que provocam o quedar das folhas lívidas de Outono,
Que pendem os canaviais ondulantes,
Na direcção do seu sopro.
Revolvem o mato e vociferam nas fissuras das paredes,
Assobiam das janelas mal calafetadas.

Eis-te! Varrendo algumas mentes,
Essas, carentes de afirmação,
De ideias próprias que ripostem a este vento dominante,
Ao fluxo do êxito fácil.
Mentes frívolas,
Que entre a emoção e a razão,
Escolhem a oportunidade,
A servil ocasião.

Mentecaptos,
De verticalidade obtusa,
Flácidos no sim e não,
Mercê de conveniências e ensejos,
Para a vida vencer,
Hesitantes pela dominância do vento,
Que à revelia da pseudo-afirmação,
Faz esquecer a rectidão,
E da vida, das vivências,
Sobejam a servidão ignóbil e vã.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Alento para a Luta


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Fita o espelho, observa-te!
Sente a força desse olhar,
Vence o marasmo que te consome,
Enfrenta a fragilidade da tua essência.
Ela é força!
Essa que o olhar te afronta no reflexo.
Enfrenta-a altivo!
Agarra os problemas,
Não os abandones com cobardia.

Pega-os,
Faz deles troféus,
Metas que alcançarás na sua superação
Corre!
Salta as barreiras,
Segue ladeando o rio que te vela,
Pula sobre esses vermes,
Fá-los actuar sobre a matéria morta,
E do húmus transformado,
Vê emergir um manto de açucenas
Que, da putrefacção renascido
Transforma o negrume
Em matizes primaveris multicolores.

Sê determinado!
Fortalece o escudo que te envolve
Galga muros,
Escala montanhas,
Faz das desditas, o ensejo para continuar.
Pensa num herói,
Esse que te coroará com os louros
No dia que do cume da tua vida,
Te orgulhares desse percurso ido,
Desse caminhar para a luz
Perseverante e já vencido.

Foto e Poema: Duarte Olim

domingo, setembro 18, 2005

Templo


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Esgueiro-me para o interior do templo.
Lá fora chuvisca.
Shiuu!… pede-se silêncio!
Tumular… Sepulcral…
Oiço o eco de passos.
Sento-me, tiro o meu bloco de notas.
– Será interdito escrever aqui?
Desconheço se os santos me perdoam a ousadia,
Por devaneios poéticos,
Alheios à liturgia.

Será profano compor neste lugar?
Sacrilégio? Heresia?
Imagens celestiais, santos, anjos…
Parecem olhar-me desconfiados, austeros,
Mas eu prossigo,
Envolvido pelo fausto da riqueza,
De exuberância despudorada,
Atavios de ouro e vergonha.

Entram e saem pessoas,
Tristes, sofridas,
Vêm prostrar-se na casa do Todo-Poderoso.
Curvam-se perante a opulência,
Dissonante da mensagem do Redentor.

O silêncio envolve-me,
Os vitrais filtram a luz,
Sereno o espírito,
Todavia, choca-me a riqueza,
A melancolia tétrica das imagens,
Sem redoma,
Cruzes que abundam, Cristos que agonizam.

Aceito o recolhimento,
Careço dele,
Esta atmosfera intimista, de paz,
Que induz à meditação.

Acredito no espiritual,
Não neste!
Mas, para que a humanidade não destrambelhe,
Respeito…
E permaneço aqui!

Foto e Poema: Duarte Olim

quarta-feira, setembro 14, 2005

Cadência do Silêncio


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Na face,
Saboreio uma leve brisa.
No tecto do mundo,
Escuto por entre o azul, o fervilhante esvoaçar dos insectos.
Do infinito,
Oiço o arfar do Universo,
Constante, cadenciado…
A melodia do silêncio, inaudível no alvoroço.

Dos campos,
O vento sibila no feno,
E mistura-se entre os silvos que irrompem dos beirais.
A passarada chilreia,
E o adejar de um corvo preto, agoira a manhã.
A folhagem agitada da figueira,
Rumoreja violentamente.
Ruge um trovão!
Arrepio.

No chão,
Salpicam as primeiras gotas,
E da água pigmentada no solo seco,
Adensa um manto brilhante, molhado…
Oiço gotejar,
Os meus passos avançam sobre a erva,
E nos meus pés, sinto o refresco do sereno sobejado da noite.
O vento zune nas colinas,
Permeado pelo ladrar frenético dos cães.
Entro. Fecho a porta.
Despeço-me do silêncio.

Poema e foto: Duarte Olim

terça-feira, setembro 06, 2005

Banco de Jardim


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O dia cursava ociosamente, e o frenesim da semana finda, dava lugar a um retemperador sossego domingueiro. A tarde estava pachorrenta e as implorações do corpo pediam-me um repouso. Fui encaminhado para um parque, sobranceiro ao castelo. Procurei um banco de jardim onde me pudesse refastelar do cirandar por aí, descobrindo, contemplando, conhecendo, numa correria pouco condizente com a necessária calma para observar o corpo de um lugar, compaginado com a sua alma. Encontrei um lugar vago e esquecido na extremidade de um banco, onde repousava um ancião de magreza proeminente. Um recanto que a velhice não quis ocupar na totalidade por pudor, no senso zeloso de não interferir no galopante passar dos dias, onde os lugares mais aprazíveis parecem ser interditos a quem a vida acena um fim. Aproximei-me, e com mesura, sentei-me na distância de não perturbar aquele homem. O dia estava cinzento, com uma tepidez que nos inculca de preguiça, enquanto observamos o quotidiano vadio, neste fluxo deambulatório de gentes que derivam e empunham as suas objectivas para fixarem este aqui. Este presente que está em permanente mutação. Mas a teimosia das horas vence as objectivas das máquinas e o dia voa. Ao meu lado, o velho olha-me de soslaio, com uma timidez contida, enquanto, adiante de nós, uma película vai sendo projectada em “primeira matiné” com o cenário das casas em fundo, garridas e estáticas. Circulam pela rua olhares sequiosos de novidades, gerações incertas que vagueiam na fluidez do lazer, pessoas cujas origens não consigo desvendar. Disfarço de forma a não tornar perceptível a minha atenção no velho. Chamo-lhe inadvertidamente à atenção enquanto saco do meu bloco de notas e começo a manuscrever. Parece intrigado. Procuro mostrar total abstracção à sua presença, de forma a não ser invasivo. Suponho que se questiona da seguinte forma: “que leva este jovem a escrever? Que o move para um banco de jardim, sozinho, nesta tarde ociosa?” Apoia os cotovelos nos joelhos e acabrunha a cabeça entre as mãos. O homem, pensativo, entrega-se ao vazio, numa reflexão pincelada de lugubridade. O tempo parece estanque, e o fastio apodera-se dele, traduzido no seu semblante resignado. O seu olhar ausente focaliza o vasto horizonte. Parece vislumbrar uma luz que teima em apagar-se. A luz da esperança que perniciosamente se vai consumindo, que reconforta o passado misterioso daquele homem, naquele país severamente fustigado por convulsões, guerras, invasões e sofrimento. Por entre as frestas que as sombras deixam passar, observa no seu caminho vago, umas réstias de luz que o guiam no intrincado do destino. A inquietação atordoa-o e noto-o ausente de mim, do meu rascunhar desusado.
Enfezado, de magreza ossuda, olha o vácuo da distância e nos nossos encontros silenciados, compreendo a sua fuga… o banco de jardim! No saudosismo dos dias que se esvaíram impiedosamente, parece procurar um futuro que não consegue descortinar. Olha à volta o tempo que não recua. Quiçá, um tempo que ele não quer lembrar mais. Pontualmente revolve as suas órbitas e parece que procura alguém, mas ninguém aparece. Vejo-o subjugado ao estigma do abandono. Afeiçoo-me com a sua tristeza. Queria sair com uma despedida. Com um aceno ou um sorriso solidário. Todavia, não está preparado para este adeus. Não sonha que centralizei nele a atenção. Projecta o olhar para o chão, assim pensativo, absorto nos seus devaneios existenciais. Faço um compasso de espera, na ânsia de que se erga e a permeio desse instante, continuo redigindo as últimas palavras, permanecendo neste bando de jardim. Ao seu lado. Procuro o seu olhar lúgubre, mas em vão. Queria sair oferecendo o meu sorriso. É pouco, mas queria dar-lho. Levanto-me e contorno-o respeitosamente, afastando-me grato por este momento. Levo-o no meu bloco de notas. Sigo em direcção ao rio.

Foto: Duarte Olim