Penha d' Águia

Teimosamente ergueu-se
À revelia de erupções e vulcões
No precipício do oceano,
Imprecando juras ao céu
Por ousadia tão rebelde
Antípoda das serras interiores
Desta elevação súbita, aprumada
Espraiando o olhar no azulino horizonte
Fazendo vénia ao mar,
E de lá, ondas incessantes
Portadoras de segredos,
Embatem nas fajãs das suas costas proibidas
Num refrigério marinho
Temeroso e em desalinho.
Abrupta penha,
Desafiando a ira das ondas
Que a seus pés,
Corroem, ribombam contra a rocha dura
Fazendo ecoar as cantigas do mar
Os idílios das sereias,
Esta elevação basáltica, descomunal
Berço de cagarras, grasnando na noite
Sobranceria de arbustos,
Abrigo dos mitos e lendas
Outras histórias e desventuras.
Promontório rachado,
Fendido por um vale abrupto
Que estrangula o medo
Velando na noite, espantando o perigo
Desvela a sombra das trevas
Na resplandecente aurora matinal
Da luz que sulca vida
Nos interstícios das suas rugas
Musgos, líquenes…
Matizes verdejantes
Pinceladas nas arribas,
Pinhais virados para o céu
Fios de aço na despedida.
D. Sebastião foragido,
Despojou a espada com fúria
Cravada no cume da Penha d’Águia,
Resiste nesta lonjura,
Memórias…
Uma epopeia…
Cruzada pueril e incauta
Refugiou neste penhasco
A alma de guerreiro,
Repousa monarca, no remanso deste litoral
Perdido de Alcácer Quibir
De memórias infindas
Oh Pátria sem fim!
De teu rei, neste rochedo, enfim…
À escuta no topo
Intercepta o mar volátil,
De revolta ondulação
Salgado, depurado pelos crivos celestes,
Revertendo das suas encostas
Véus de água cristalina…
De uma alvura doce
E da arriba marinha,
Quedam rochas, desprende o basalto
Falésias que abrigam aves
Fajãs de fino recorte.
Voo real,
Ou coruja nocturna de escusos presságios
Do topo da penha,
Rivaliza com a imensidão do mar…
Encerra memórias
Agoiros e esconjuros
Do povo supersticioso,
Que nas encostas do vale
Moureja sem folga
Lavrando a terra,
Debaixo da protecção da rocha
Virada para o firmamento,
Ao som da alma do vento.
Foto e poema: Duarte Olim