segunda-feira, abril 25, 2005

Correligionários

Mordomos,
Servis interesseiros,
Vendidos aos automatismos,
Dos sins na ponta da língua,
Gel no cabelo e gravatas engalanadas
Ataviados de apetrechos
Quais futilidades do mundo!
Assim,
Sem carácter nem dignidade
Caminham,
Inglórias marionetas
Acessórios de sistemas,
Parecenças?
Não me tentem com esses temas.

Esquecidos do não
Do orgulho e indignação,
Honrados nasceram
Mas ao lucro alienaram a alma
De amor-próprio exonerada
Pergunto:
De que lhes serve o poder?
Para quê o dinheiro?
Poder inócuo e vazio,
Que incapacita de dizer Não!
Rendido à condição
De alugar o rabo e a razão,
E nem saber o que foi a Revolução.

domingo, abril 24, 2005

Aos Heróis de Ontem...


 Posted by Hello
Foto: Duarte Olim

Teias da Evolução

Vou por aí despercebido, oiço vozes, rumores que testemunham idiossincrasias entorpecidas que tenho dificuldade em perceber. Oiço histórias mirabolantes, espanto-me com episódios imundos, vejo uma sociedade oca que consegue identificar-se com ditadores disfarçados de democratas. Assisto a pessoas, aparentemente inteligentes e lúcidas, deturpadas por ideias obsoletas, coleccionando ideais desprovidos de conteúdo. Não peço que se envolvam em causas, mas manifestem indignação. Ser solidário como José Mário Branco apregoou. A indiferença perturba-me. O facilitismo mais ainda. Passaram mais de 30 anos após o 25 de Abril e perduram dinossauros em cargos de poder executivo. Derrubamos um regime, rompemos com anos a fio de uma ditadura opressiva, mas após a catarse de Abril, deixamo-nos macular por exemplos absolutistas, por prepotências ignóbeis, por provas de insana dependência do poder, aliada a boçais provas de má educação. Alcançamos o direito de expressão cívica, expressa no voto, mas pactuamos cobardemente com a permanência de abutres tiranos no poder, alguns por períodos tão duradouros que se aprestam a aproximar perigosamente do recorde de Salazar. Estaremos perante reminiscências do passado? Fantasmas? Recaídas? Ou teremos a memória curta? Pacientemente alguns esperarão que, alguns deste rol anacrónico, caiam da cadeira. Será? Nestes anos foram-nos impingidos entretenimentos, para nos sonegarem distraidamente o direito à indignação e ao exercício pleno da Liberdade. Não temos tempo. O mundo corre velozmente e em vez de tentarmos sair da corrente diabólica que nos abalroa para o abismo, deixamo-nos levar passivamente por ela. Uma teia consumista deleita-nos os sentidos, e damos por nós mais embrenhados a observar as moscas que fremem nos fios, do que atentos ao rumo da Humanidade. Enquanto nos entretêm, os argutos engenhosos ludibriam, privam-nos os direitos, roubam-nos as terras, poluem-nos o ar que respiramos, espoliam a herança que recebemos de gerações passadas, tudo de forma impiedosa. Almejamos tanto o conforto e o poder que nos encerramos numa mundividência obtusa. Colmatamos carências pela fictícia satisfação do consumismo gratuito. Estamos menos solidários. Mobilizamo-nos por motivos fúteis, muitas vezes no seguimento de um vil profeta brasileiro que, ciente da carência que nos assola, estala os dedos com oportunismo e prega-nos uma diarreia de portucalidade saloia.
Soltem-se as amarras! Libertemo-nos! Vivamos Abril e avivamos as nossas memórias e as conquistas que devem recrudescer a vida lusitana.
Até já Portugal! Vou ali e já volto.

sexta-feira, abril 22, 2005

Cadeia de Literatura


ex-libris da tugosfera Posted by Hello

Fui duplamente apanhado por esta corrente literária, de uma forma totalmente desprevenida. Honra-me a lembrança gentil da Laerce e da Betty, porém, responsabiliza-me dar o adequado seguimento. Pese embora não ser apologista destas cadeias, a literatura foi mais forte e demoveu-me a não quebrar esta ligação, unindo todos os que amam a literatura.

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Nunca entrei no Fahrenheit, logo, dele não posso sair. Queria ser um livro que as páginas fossem como espelhos, onde ao folhear cada página, me revisse de forma desnudada, sem qualquer pudor. Um livro que me desvelasse para os outros, e eles para mim.

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?

Já me revi no comportamento de algumas personagens e já me seduzi literalmente por outras. Foram tantas que me reservo ao direito de não as divulgar, sob pena de ser considerado promíscuo.

Qual foi o último livro que compraste?
“O Amor nos tempos de cólera” – Gabriel García Marquez

Qual o último livro que leste?
“Margarita e o Mestre” – Michail Bulgakov

Que livros estás a ler?
“O amor nos tempos de cólera” – Gabriel García Marquez
“Madona” – Natália Correia

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Uma antologia completa de poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen
“Crime e Castigo” – Fiódor Dostoiévski
Um à escolha de António Lobo Antunes
“Profecia Celestina” – James Redfield
“Para Sempre” – Vergílio Ferreira

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?

À Ana porque com ela partilho leituras e afectos poéticos desde a Encosta do Mar até ao Desfiladeiro;
À Ermelinda porque me fascina com a sua eloquência crítica e se identifica com ideais que me movem;
À Natalie que, sendo minha conterrânea, faz renascer em mim a esperança de que a poesia e a literatura retribuam ao mar, a magia que dele brotou generosamente para a ilha, ao longo de muitas gerações.

quinta-feira, abril 14, 2005

Manifesto pelos Plátanos

Escrevo este manifesto em defesa dos maltratados Plátanos, árvores que, outrora, adquiriam grande notoriedade nas nossas praças, ruas, largos e adros. Diria que já faziam parte da fisionomia de muitos espaços edificados. Em muitos casos deviam ser classificados como exemplares de interesse público, dado o seu esplendor e beleza. Porém, o homem moderno, na sua insana necessidade de destruir, implicou com a copa frondosa, bela e esteticamente aprazível destas árvores, tendo recorrido às podas (camarárias) de forma a decepá-las e torná-las esteticamente desoladoras, tristes e doentes. Procurou ainda imputar-lhes a falsa reputação de fomentarem algumas doenças alérgicas.
Felizmente, algumas acções de sensibilização mais recentes, têm disciplinado algumas destas condutas, levando a que as podas camarárias sejam mais moderadas, embora continuem a constituir uma prática estranhamente usual. Como é que uma árvore pode enriquecer um espaço urbano na sua componente paisagística, sem que a sua copa se apresente frondosa, equilibrada, redonda e sadia? As podas justificam-se em ramos secos e nos lançamentos de ramos ou pernadas que interferem com a circulação do tráfego automóvel, ou no caso de perigarem algum bem. São imprescindíveis quando se está perante algum problema fitossanitário. Apenas nestes casos.
Mas esta obsessão de intervir sobre as árvores de arruamentos, leva a que determinados zelosos vejam numa simples cavidade de uma árvore, um pretexto para abatê-la. São insensíveis e ignorantes para interpretar uma cavidade num tronco, como fazendo parte de um processo natural de decrepitude de uma árvore. Não respeitam a sua decadência natural, refugiando-se em evasivas ardilosas para cortá-las. Piores cavidades são as que povoam as suas mentes ocas. De insensibilidades inauditas. O certo é que uma cavidade, ao atingir determinada dimensão, servia de esconderijo das crianças nos jogos populares, constituía um recanto para deixar cartas secretas dos amantes, facilitava o abrigo de animais. Lamentavelmente, em muitos casos, qualquer anomalia numa árvore é usada como pretexto para abatê-la. E os pretextos são tão mesquinhos que se chega a assistir a quem, impudentemente, alegue que as árvores provocam muito lixo devido à folhagem. E não valerá a pena pronunciar-me sobre a beleza que constitui um tapete colorido de folhas ou flores que, nalgumas ocasiões, quase me senti tentado a implorar ao varredor municipal para não varrê-las. Todavia, em boa altura o bom senso conteve-me.
Pese embora as árvores terem o objectivo de melhorar a arquitectura da paisagem urbana, tornando o quotidiano de quem nela se insere, bem mais aprazível e harmonioso, melhorando a estética dos espaços urbanos, mitigando a reflectividade da luz e almofadando o ruído, ainda se assiste a uma necessidade atroz de intervir sobre elas, deixando-as inócuas na sua função decorativa e paisagística, visivelmente inestéticas. São actos absolutamente criminosos sobre as árvores.
Por fim, resta-me o esforço de tolerar alguns iluminados que, considerando os Plátanos espécies exóticas, têm sobre estas árvores, uma postura racista e xenófoba, preferindo optar facciosamente por espécies designadas de indígenas para os arruamentos. No caso da Madeira, são espécies providas de folha persistente e mantêm uma tonalidade verde todo o ano, o que as torna lúgubres, frias, dotando os espaços urbanos de verdadeira melancolia: isto sem querer prever os potenciais focos de problemas que, a nível de sanidade vegetal, estas últimas espécies podem fomentar, aliados à sua fraca resistência à poluição atmosférica, característica das cidades.
Por sua vez, os Plátanos apresentam uma casca em placas que se auto-renova continuamente, deixando a sua superfície sempre limpa e matizada de tonalidades castanhas e esverdeadas, de incontornável beleza. As folhas, que adornam o chão nos meses do Outono, pressagiam o tempo frio do Inverno. Salpicam as ruas e praças de forma graciosa e característica da época, e não são raras as vezes em que vemos as crianças a recrearem-se com as folhas caídas, tão apetecíveis ao tacto e à curiosidade das suas formas. O facto de o Plátano ser uma árvore de folha caduca, dota a folhagem de variações cromáticas belas, que se expressam pelo renascer das folhas na Primavera, garridas por uma cor verde clara, e que culminam com as tonalidades avermelhadas e cruas, que antecedem o seu total perecimento no Inverno. Como árvores de folhas caduca, têm ainda a particularidade de deixar passar o calor nos meses frios de Inverno e proteger dos raios quentes e abrasivos do Verão, criando um microclima agradável na sua envolvência, de indiscutível deleite.

domingo, abril 03, 2005

Mar Ultrajado


Mar de outrora Posted by Hello

Eras belo. Tua cor, diziam ser única: um azul intenso, marinho, que apaixonava ao olhar, contagiando amores e desafiando os afoitos. Para estes, os cautos avisavam: “há mar e mar, há ir e voltar”. Havia quem não voltasse, mas tu, mar, voltavas sempre na tua generosidade infinita. Tal como o horizonte que, longínquo, usava o teu traço e todos os dias projectava pinturas fantasiosas no céu. Um espectáculo grandioso. Aquele que, hoje em dia, estranhamente nos esquecemos de contemplar.
Banhavas a costa em carícias que o basalto amigo acolhia. Era harmoniosa a transição entre o teu azul, a espuma que nascia do teu toque no basalto, e aquele verde que se intensificava pela encosta afora.
Ondulavas nas praias revolvendo os seixos, limando-os na intemporalidade dos teus dias. Adornaste as praias de pedrinhas redondas, enquanto noutras enseadas, tuas correntes recriaram pequenos depósitos de areia. Negra como o basalto que, corroído, foi formando bancos no fundo, incapaz de imaginar que a tirania, um dia, havia de explorá-los desalmadamente, em barcos funestos.
Que saudades do mar de outrora, cristalino, com um aroma marinho que jorrava vida a quem o inalava. Onde estás? Lembro o teu azul, a tua transparência, a quietude das tuas águas, algumas vezes revoltas que, em turbulências exasperadas pelas tuas ondas incertas, galopavam pelas fortalezas basálticas que a ilha protegiam. Onde estás mar límpido que me libertavas o olhar para o infinito?
Vejo-te acabrunhado, tingido por tonalidades insípidas, olvidado, sem a mesma magnitude do azul de ontem. Magoado, lúgubre, poluído, com o teu fundo coberto por um manto de terra. Oh mar salgado, que me acolheste em momentos desvairados, regressa! Não te reconheço neste! Quem te conspurcou?
Recordo-me que ribombavas contra a rocha dura, projectando repuxos brancos, que arrastados pelo vento, nos refrescavam, enquanto buliçosos, corríamos alegremente.
Sei que reclamas. Ao invés de bateres na rocha sadia, encontras plataformas e carcaças funestas de fealdade infame. Estruturas grotescas erigidas com insanidade boçal.
Antes, contemplava a tua ira, mas nessa tua revolta, compreendia-te. Afogava no turbilhão das tuas ondas, as minhas inquietações. Admirava a tua força e contemplando-te, esvaía o meu sentir, sentindo a tua energia fluir para mim, numa catarse que me inundava de paz.
Já não és o mesmo. Quiseram desafiar-te e, magoado, revoltaste-te indignado contra a invasão desavergonhada que perpetraram, para de ti se apoderarem. Como te compreendo. Sei que a tua alma é inexpugnável, sei que resistirás às mentes pérfidas, tiranizadas pelo lucro fácil, usando-te como cobaia. Vem, continua a banhar-nos as encostas. Há quem continue a te respeitar. Paulatinamente recuperarás o teu esplendor. O teu brilho. A Lua voltará a reflectir-se nas tuas águas, formando rios de luz incandescente.
Aceito que destruas. Que reclames o que é teu. Que te insurjas contra quem te quis invadir: quem de forma indigesta arquitectou formas de te ultrajar.
Vem meu mar, hás-de voltar a varrer o meu marasmo. Hás-de ser sempre gigante neste equilíbrio, dos que contigo, acreditam na Harmonia da Natureza com o Universo. Juntos vamos vencer.

Texto e imagem: Duarte Olim