domingo, dezembro 12, 2004

Folhas



Folhas caídas esvoaçam
Deambulando ao livre arbítrio do vento
Feridas,
Rasgadas,
Necrosadas,
Quais marcas de uma vida
Traçada em seus veios e rugas

Ludibriam com seus cortejos,
Desafiando a natureza
Lúgubres umas,
Rio abaixo, submersas.
Outras ascendendo,
Como que afagadas pelo vento
Num fogo de artifício
Que no seu quedar
Salpica a calçada,
A terra,
O chão,
Com suas matizes outonais.

Liberdade...
Enfim livres,
Livres de quem as sustentou
Mas plenas de realização
Da vida que reclamam
Deste Outono que é a estação
Que acolhe a morte
Proclamando a vida.
Posted by Hello

Poema e Imagem: Duarte Olim

segunda-feira, dezembro 06, 2004

O Barco Lusitano

Enquanto o mundo lusitano gira à mercê deste esquife à deriva, desgovernado, iluminado por faróis que aparentemente guiam esta barcaça, eu retiro-me e refugio-me na mansidão do horizonte. A barcaça, essa, rodopia, ciranda, balanceia, e o seu desnorte vai-se avultando, de nada valendo o alumiar dos faróis indecisos no vislumbre de tamanho fastio marítimo. A navegação é lenta, o destino é incerto, mas não há domínio naútico capaz de interpretar a localização dos astros e a descodificação pelas estrelas. Nem o brilho do luar satisfaz estes marinheiros, mesmo em noites de lua cheia.
Insistem em navegar junto à costa, alumiados pelos faróis. Quem acreditou nesta tripulação, olha com desespero e derrota, erguendo a cabeça para os céus, quiçá bradando-lhes. Possivelmente lá encontrarão os segredos da navegação, mas aqueles iluminados tripulantes, mesmo com a ondulação favorável, não arredam dos faróis. É um salve-se quem puder que entremeia a luz e as trevas, entre cada translação do farol. Para que ninguém veja! O comandante é agarrado desesperadamente pelos outros na penumbra. Aqueles que ao mediatismo fácil, confiaram e enveredaram pela navegação, altivos, arrogantes, desrespeitosos para com os oceanos; para com os verdadeiros navegadores. A mediocridade da navegação é confrangedora quando um ligeiro afastamento dos faróis é consumado, e nem a intermitência da luz repõe a calmaria. Quando o foco ilumina a barcaça, a tripulação simula gravidade, confiança, domínio sapiente dos mares.
Enquanto este alvoroço prossegue, retomo o olhar para o horizonte e contemplo-o enquanto o desassossego dos que lá ficaram, é diluído pelo som da maresia, pelo rebentar das ondas e pelo intercalado canto das aves marinhas. As ondas, como que portam mensagens que chegam abundantemente, e espraio o meu ser nesta envolvência, nesta distância dos aflitos que lá atrás ordenam que se potencie a luz dos faróis, enquanto em terra, alguns experientes dos mares, assistem impávidos com uma expressão risível.
Na praia, debruço-me e sento-me na areia. Apoio os braços sobre os joelhos e entrelaço as mãos. Observo as ondas – mensageiras de esperança –, que incessantemente vão deixando suas marcas no recorte da areia, na bordadura que transita entre a areia seca e a acariciada pela escorrência das ondas. É como se o remetente insistisse nas imprecações, em ininteligíveis súplicas, nos avisos cautos trazidos pelas ondas. Por vezes a rebentação troa vigorosa, rasgada por trovejos estridentes da água, que cortam o manto diáfano do silêncio.
Pressagia-se o naufrágio e o povo lusitano sente um calafrio de medo. E vergonha.

Duarte Olim



sexta-feira, dezembro 03, 2004

Libertação

Grito,
Ninguém me ouve!
Volto a gritar,
Nada!
Tanta gente lá,
Derivando num torpor oco
Subjugada pela alienação fácil

Clamo por justiça,
Mas continuam a não me ouvir

Impudicamente algumas crianças olham-me
E eu retomo o grito libertino,
Exasperado!
Adultos impedem as crianças de olhar-me.

Nelas sentia a esperança
Compreendiam a minha exasperação
Este inconformismo rebelde,
Aviltado pelo mundo.

Segue a Vida,
Prosseguem os dias
Mas não!
Não me calo!
Ninguém me demove da minha sede de justiça,
Contra o laxismo em que quedou o mundo,
Esta sociedade frouxa e vazia.

Duarte Olim

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Moinhos-de-Vento


Contra moinhos-de-vento marchar, marchar. Pela justiça, galopar, galopar. Pela Liberdade, lutar lutar. Era assim este distinto cavaleiro, sonhador, idealista, corajoso, educado e anacrónico. E será que o mundo gira e avança somente nas mãos (Ant. Gedeão diria "de uma criança") de racionalistas e ponderados como o seu fiel companheiro, ou não estaremos ávidos de heróis que nos incutam valores para sairmos desta letargia perniciosa?

Posted by Hello

Naquele Lugar…

O Sol projectava obliquamente seus raios, e aquela luminosidade difundia-se recortada por entre fachadas e telhados. Entardecia, e nas ruelas e becos, sentia a luz incandescente desse lugar, transformada numa brisa tépida que me acariciava o rosto.
Este lugar distante que aqui e agora percorro; estas portas que me vão ficando para trás, mas que são a entrada da vida de muitos, e dos que já foram e já não são mais. Neste deambular revisitava um passado onde a severidade do tempo deixou marcas que se expressavam pelas formas corroídas das casas, na oxidação de varandas metálicas das janelas e na tinta das vidraças que se desprendia ressequida. Um pórtico abria-se em ruínas, mostrando a pedra sadia de outrora espreitando na lisura do lugar empertigado de gravidade. Alguns musgos que o povoavam, acentuavam-lhe a rusticidade. Sob os meus pés, passos perdidos deixaram a calçada gasta, polida por anos de passagem. É este chão que me suporta e que estranhamente parece afagar meu caminhar, convidando-me a ir mais além. E a ficar. Neste além mundo.
Das janelas, olhos lassos, lúgubres, observavam o meu caminhar, e num entrecruzar de olhares, ausentavam-se timidamente, projectando-se no vazio. Eram fisionomias lívidas, expressivas e nostálgicas. Diria que estavam ali esperando… Mas o quê? Um saque à solidão que lhes aflorava as têmporas? Despojados de vida, observavam. Eram idosos que permaneciam imersos neste passado que nos acolhia de forma tímida, mas desvelando intimidades e as marcas indeléveis nas suas rugas que sulcavam as suas faces e prediziam emoções várias.
Aqui e além ouviam-se sons de vida, pássaros que chilreavam; de uma janela incerta ouvia-se o fado, aquela expressão nostálgica e pungente do sentimento que ali efervescia – saudade! O frémito do sino da capela da praça, não perturbava a serenidade do lugar. À medida que a noite envolvia o bairro, a luminosidade do dia dava lugar à luz fosca dos candeeiros que mistificava aquelas fachadas. Outros lugares ermos permaneciam nas trevas e para ali confluíam os gatos e o medo.
Continuei a caminhar, desci degraus, atravessei becos e vielas e passei numa praça onde um grupo de idosos conversava. Mais adiante, duas frondosas árvores assistiam com gravidade ao alvoroço pueril de duas crianças que corriam e rodopiavam, em perseguições ininteligíveis, frenéticas, num divertimento gracioso e puro.
Este lugar envolvia-me de mistério, e sentia nas minhas vísceras o descerrar de humanismo que há em mim, naqueles olhares clamantes, naquelas expressões que me inquietavam pela minha indiferença. O lugar era envolto de candura, por um sentimento de respeito e carinho por vidas que timidamente me observavam, distantes e inseguras. Os edifícios, esses, não tinham mais de dois pisos, nalguns casos providos de águas furtadas. A proximidade das fachadas opostas da rua promovia a união, o aconchego familiar de uma boa vizinhança. Aquele lugar não me sufocava. Nenhum ruído agredia a sua harmonia. Os pombos nos beirais perscrutavam o cair da noite com seus lamentos ociosos.
Neste passado presente, vi nalgumas portas, soleiras côncavas, um sinal dos tempos, onde a pedra que lhas constituía, se transformava em barro, moldado pela infinitude temporal daquele lugar.
Era Outono e o manto da noite tinha caído. Numa mercearia próxima, um grupo de pessoas conversava. Algumas, cá fora, escolhiam escrupulosamente as melhores hortaliças, noutro caso, alguém asseverava que esta maçã era mais saborosa que aquela ou enalteciam este legume em detrimento de outro. E aquele colorido dos produtos, embelezava aquele recanto e promovia aquele convívio buliçoso. Num estendal uma senhora de cabelos grisalhos, debruçava-se no patamar da janela e recolhia meticulosamente a roupa que tinha ficado desfraldada à brisa e ao calor do dia, acenando familiaridade a quem passava.
Derivei por mais umas ruas e notei que naquele bairro, o final do dia trazia vida materializado nas luzes que ressurgiam nas janelas. Saí daquele lugar, atravessando a rua que encaminhava para a periferia e de repente, destemidamente um som irrompeu aos meus ouvidos. Era uma guitarra portuguesa em acordes plangentes, evocando um país, a identidade remota de um povo estóico e corajoso. Senti um arrepio e fui embora.
Era noite espessa quando deixei aquele mundo submerso e vi prédios altos, avenidas povoadas de carros. Semáforos a piscarem. As pessoas caminhavam frenéticas, quase atropelando-se. Procurei abstrair-me e segui calmamente para casa, e, enquanto pensava no bairro, conseguia ouvir aquela melodia da guitarra portuguesa, ecoando em mim de mansinho.

Duarte Olim


Civilização

CIVILIZAÇÃO

Tanta,
Tanta gente num frenesim
Ruídos,
Ressonâncias perturbadoras
Num colapso humano,
Num rodopio esvaído de sentido.

Em silêncio reflicto,
Penso o silêncio
Numa laude apaziguadora
Busco paz,
Pois no silêncio
Encontro a essência sagrada
Do que é eterno

Civilização?
Qual civilização?
Profanação desavergonhada,
Num desrespeito pelo silêncio,
Num atormentar da alma
Me deito
E peço silêncio.

Duarte Olim

Desumanização

Na sociedade actual, verifica-se uma desumanização acentuada, onde os valores que congeminavam o Homem à sua essência humana, foram diminuídos em detrimento de este se ter tornado uma parcela de uma unidade produtiva. As pessoas são cada vez mais avaliadas pelo que fazem e produzem, e pouco pelo que são como pessoas, como seres humanos. O ênfase que se dá ao fazer, implementado pela sociedade capitalista, é um esvaziar de valores. Discute-se dinheiro, emprego, vencimentos. De causas e valores, ninguém debate ou discute. Longe vão os tempos em que as amizades consolidavam-se na realização de reuniões familiares, de tertúlias. Nestas debatiam-se causas, personalidades, obras fundamentais, ideais, convicções e em quase todas elas, a liberdade. Eram subversivas antes do 25 de abril. Agora, a organização da sociedade não promove a sua realização. Cultivamos a individualidade. A nossa sociedade está atolada de informação, de entretenimentos disponibilizados pela televisão – há quem diga que é o aparelho que nos embrutece – pela internet, pelas actividades plenas de sedentarismo que a sociedade inventou para alienar-nos do pensamento, da capacidade de pensar e desenvolver o sentido crítico. Navegamos imersos em informação que, sendo avulsa, acaba por nos sufocar. O emprego preenche-nos a quase totalidade do tempo, além daquele que a burocracia exige, atormentando-nos. (…)
(…)Curiosa também a ideia de que os pobres são mais unidos que os ricos. A pobreza promove a união, a amizade, o convívio. Os ricos sentem necessidade de erguer muros, barreiras. Individualizam-se. Mas a nossa sociedade actual privilegia o ter em detrimento do ser. Os jovens nascem nessa ânsia do ter, do consumir. Ambicionam desesperadamente o poder, como se ele fosse o ceptro que preenchesse a alma. Porém, a obsessão pelo poder provoca frustrações. Diria que esses ambiciosos alimentam a mesquinhez e nessa amálgama desenfreada, crescem e não evoluem. O conforto conquistado exerce o mesmo efeito que a riqueza. Corrói lentamente, vai consumindo, e quando despertamos para o essencial da Vida, o nosso interior vacila, já não somos barro, mas pedra crua, dura.


Duarte Olim


quarta-feira, dezembro 01, 2004

5 Violinos


Esta era uma orquestra que devaneava de modo libertino em solos de violino siderais Posted by Hello

Devaneios Libertinos

Um espaço de debate entre Eu e Tu, esse que está do outro lado do espelho e eu deste lado. Discutamos, briguemos, discorramos sobre a vida e sobre esta existência assaz errônea, e destes impropérios, que resulte muita compreensão, entendimento e provas de afecto entre Tu e Eu, para que os outros - esses que nos visitarem -, nos aceitem como somos, de forma tão equilibrada e harmoniosa como este espelho que nos separa e nos compagina afectuoso.